segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Terça-feira, 9h15


Uma manhã entre tantas. Um café, o jornal, um cigarro.
As notícias do costume. O caos nas finanças. Os ministros que se demitem. A polícia que prende. A policia que mata. E, numa pequena noticia de fim de página, a polícia que persegue o Major Lobo d’África.
Uns meses atrás, durante alguns minutos, o meu caminho cruzara-se com o do Major.

A revolta tinha falhado, e todos tínhamos consciência disso. Ainda ecoavam alguns tiros pelas ruas, cada vez mais escassos, enquanto retirávamos para as últimas barricadas junto ao Arsenal. Lembro-me vividamente da confusão de gente a correr pela rua sem nunca olhar para trás. Alguns caíam, outros largavam as armas para apressar a fuga. Foi então que de uma transversal sombria emergiram os soldados. Eram poucos mas estávamos demasiado desorganizados para resistir. Alguns fugiram mas a maior parte de nós depôs as armas. Foi então que vi que à frente de o pelotão inimigo estava um Major, coisa pouco habitual para uma unidade tão pequena numa operação de vanguarda. Olhei-o com estranheza enquanto ele trocava algumas palavras com um tenente. Foi então que ouvi o primeiro disparo. A que se seguiu outro. E outro. Soldados a dispararem sobre homens que se rendiam?
Apenas tive tempo de agarrar a arma antes de ser atingido e perder os sentidos.

Nunca me esqueceria daquela cara e a foto no jornal era bastante nítida. Mas porquê? O jornal não dava grandes informações. Apenas dizia tratar-se de um traidor à pátria e de um homem perigoso. Porquê?

J.F.
Domingo, 4h30

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo X

Um som. Monótono. Constante. Repetitivo.
Há horas que o meu cérebro se debate com uma amarga indecisão: ficar surdo ou enlouquecer?
Tudo isto por causa daquela maldita máquina tipográfica. Ainda não passaram 2 horas desde que a conheço e já a odeio. Fechado nesta sala, com ordens de escrever os panfletos que ela imprime sucessivamente, que má altura para me dar um bloqueio de escritor.
Estava tão bem no Bristol, um cigarro e um copo de whisky como nos velhos tempos, quando F. se aproximou vindo sabe-se lá de onde.

-“Ordens para ti. Ouvi dizer que és escritor e nós precisamos de umas frases bonitas para os panfletos de recrutamento. Sim. Uma ruela junto ao porto, encontrarás todo o material que precisas.”

E assim aqui estou eu, nesta tipográfica clandestina, fechado numa sala com esta máquina infernal. E com A., absorto na tarefa de inventar slogans. Tarefa que cumpre magistralmente deve-se dizer. Nada é mais fácil para ele do que fazer rimar “Luta” com “Camarada” ou “Povo” com “Revolução”. As palavras fluem em nele como o sangue. Faz parecer tudo tão fácil…
Mas para mim continua difícil. Talvez não o sinta o suficiente. Talvez a revolução não me esteja no sangue. Fecho os olhos e só consigo pensar nela. Ela que me faz estar aqui.
Mas… segundos depois só consigo pensar na dor de cabeça que este barulho me causa…e na folha de papel branco à minha frente…

Relatado por Joszef

sábado, 26 de dezembro de 2009

Bristol Club. 26 Dezembro 1927

Não dormi naquela noite.
Além da chuva que batia sem cessar, algo me tinha perturbado.
Acompanhei o senhor até à porta do Bristol para ele se ir embora, pois não parecia ter grande vontade de sair. O pianista arrumava as suas partituras na mala castanha e abstraiu-se da cena.
-O meu nome é Miguel...
Não queria mesmo saber. Enquanto se aproximava da escadaria para a saída, parecia relutante em subir. Abrandou o passo e num acto de coragem parou no foyer. Não estava para ficar à espera do que ia sair daquela cabeça de cabelo desalinhado. Disse boa noite mas não houve reacção. Abri a porta na tentativa que o frio da rua o despertasse ou que pelo menos entendesse a mensagem para se ir embora. A reacção foi a mesma. Imóvel a olhar para o nada, com um nervosismo visível nas mãos que tremiam.
Subitamente deve ter tomado conta do tempo que estava a ocupar. Num momento acordou, olhou para mim e no seu olhar vi uma força e determinação capaz até de derrubar a autoridade.
Não pude admirar os olhos dele durante muito tempo. A força que os seus braços faziam puxavam-me contra ele e depressa os olhos dele se fecharam.
Porque é que não consegui dormir nessa noite?
(Escusado será dizer que fui a dormir no caminho para Lamego. Foi um bonito Natal.)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Bristol Club. 24 Dezembro 1927

Parto amanhã para Lamego para passar o Natal. Lisboa parece-me sombria e até o Luís e a Catarina foram para o Porto. Os clientes são poucos e tenho de fechar o club para a solenidade do Natal.
Apenas fiquei eu, o pianista e o cavalheiro que apesar de passar a vir menos vezes, quando vem continua a sentar-se na mesma mesa e pede a mesma bebida. Ritual que não estaria completo se não continuasse a fixar-se em mim.
Causa-me impressão mas como normalmente estou ocupada não ligo. Mas hoje...
-Pedia que se fosse embora. Vamos fechar.
O piano pára de tocar.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Sábado, 23h11

Há semanas que não escrevo. Falta de inspiração? Talvez.

Mas sobretudo falta de tempo. O trabalho e a rotina têm o dom de roubar as ideias e transforma-las em vazio. O dia-a-dia afasta-me cada vez mais das revoluções reais ou ficcionadas. E no entanto em torno de mim elas continuam a existir. A realidade a e a imaginação têm a sua vida e, cada vez mais, vivem sem mim.
Não me importo. Nunca me considerei escritor, sempre fui acima de tudo leitor. Leitor, invasor e pirata, saqueador da imaginação alheia, roubando e aproveitando o que me convêm. E sou-o com orgulho, porque viver sem ler é estar limitado a uma vida e a um lugar. Sem ler, nunca teria saído de Lisboa. Através dos livros já viagem a todas as províncias do nosso Império, o bairro das Fontainhas em Goa é-me tão próximo e conhecido como a Madragoa.
Gosto de alguns livros que preencho com a minha imaginação, outros preenchem-me a vida e não consigo fugir deles mesmo quando os fecho. Como as mulheres. Por isso é apropriado que este texto seja uma declaração de amor.

Hoje sento-me numa das mesas do Martinho da Arcada. Falando de livros e escritores, ao balcão está aquele poeta que tanto tem sido falado. Bêbado, como costume.


J.F.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Bristol Club. 30 Novembro 1927.

Debruçada sobre o balcão com o queixo apoiado na mão, tento imaginar qual o tema de conversa de cada mesa. Já me tinham dito que era uma actividade interessante e estando o Luís a limpar copos, não tenho nada de melhor para fazer com a chuva imensa que cai. O piano começa a tocar lentamente.
Obviamente que o Francisco está a sussurrar ao ouvido da sua acompanhante coisas obscenas que ela parece estar a gostar. Na mesa ao lado estão dois pares de namorados que parecem estar a divertir-se... Pelo menos elas que estão a falar de forma ruidosa, sabe Deus sobre o quê, enquanto eles bebem mais um copo de Porto. Está o senhor Gonçalves na mesa do canto a fumar e mais uma vez a fazer desenhos no seu caderno. No fundo do salão está o grupinho de sempre que se costuma reunir para tratar de assuntos. Desses não quero saber o que estão a falar. O piano acelera o ritmo.
Ao percorrer a sala reparo que está o cavalheiro do cachimbo a olhar fixamente para mim. Levanto-me do balcão, componho a saia e vou ver se lá fora ainda chove. Deixo de ouvir o piano à medida que saio do salão.

domingo, 15 de novembro de 2009

Bristol Club. 15 Novembro 1927

Esta noite a casa esteve cheia. Senti a maior satisfação quando, ao saírem, ainda lançavam sorrisos e ainda tinham uma alegria excitada que podia durar até à noite seguinte. Depois de limparmos o salão e arrumarmos as cadeiras, decidi ir dar uma volta, mesmo com o vento, que fazia aquela madrugada cheirar a inverno.
Fui até ao miradouro de S. Pedro ver o nascer do sol. Vi que não estava sozinha, mas não me importei muito.
À medida que aquela bola quente se erguia no céu, e à medida que a minha face aquecia mais eu queria sentir o seu calor. Inatingível. Conformada, enrolei-me no casaco, disse bom dia aos que passaram por mim e fui para casa.

sábado, 7 de novembro de 2009

Quinta-feira, 6h30

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo IX


Caminho sem direcção pelas ruas da cidade que acorda sonolenta.
Quando dou por mim encontro-me em S. Pedro de Alcântara. O sol ergue-se lentamente por detrás da silhueta escura do Castelo, enquanto uma velha, cuja roupa é tão escura como negra é a sua solidão, desce lentamente a rua da Glória…

-Porque quer lutar contra a ditadura?

-Porque quero lutar.

-Porque escreve?

-Porque me apetece escrever.

-Mas com certeza que escreve por ter algo para dizer…

-Não.

-Faça o favor de não me voltar a interromper. Quando um escritor escreve fá-lo por ter algo para dizer. Alguma mensagem ou opinião para dar.

-Como sabe vossa excelência que assim é? Conhece, por acaso, a alma de todos os que escreveram desde o inicio dos tempos? Conhece a minha alma?

-Seja. Nenhuma mensagem, nenhuma opinião, nada para dizer. Porque deseja então juntar-se à nossa luta?

-Porque o vosso caminho é o meu caminho, porque nessa luta busco um objectivo.

-Assume então que não luta por compromisso ideológico mas apenas por motivos pessoais? Sabe com certeza que não é o que esperamos dos nossos camaradas.

-Sei…

O sol nasce como todos os dias. Mas para mim, nesta manhã, tudo é diferente.

Relatado por Joszef

sábado, 24 de outubro de 2009

Bristol Club. 24 Outubro 1927

E enquanto a banda tocava um slowfox, enquanto as pessoas dançavam juntas, enquanto o Rui saía de rompente do club, enquanto o Luís servia whiskey no bar, enquanto estava o cavalheiro com o cachimbo ao fundo da sala a olhar para mim, enquanto me fixava nele, não deixei de pensar se estaria a fazer o que estava certo. Chovia lá fora e o céu estava cinzento.

domingo, 18 de outubro de 2009

Bristol Club, 18 Outubro 1927

Naquele momento, tive medo. Senti um aperto no coração, uma vontade de consolar algo inconsolável e de mudar o mundo dele. Nos dias seguintes revisitei os lugares onde passávamos as tardes e as promessas de uma vida diferente para ambos. Revi sentimentos. Como ficávamos felizes nos braços um do outro.
Oh... o que estou a dizer?
Já nada é o que era. E naquele momento, tive coragem.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

- O fox-trot!
Palavras mágicas. No momento seguinte estava toda a gente no meio da sala, movendo-se frenética ao som da orquestra.
Leonor fizera a sua entrada nos salões vestida de cetim verde apenas alguns instantes atrás e a balbúrdia do fox deixou-a muito bem-disposta, como se a dança fosse destinada a recebê-la.
E ela que bem precisava. O Verão com o advogado terminara. Sim, um advogado, outro. Havia qualquer coisa na retórica daqueles homens, devia ser isso. (Poupemo-nos entretanto a descrições físicas, aí veríamos uma verdadeira divagação – provavelmente saudosista – por parte da viscondessa.)
De qualquer modo, o último advogado já era e não se podia permitir a ficar em grandes melancolias, reclusa no seu palacete do Campo Grande.
Por isso, ei-la, a viscondessa de Lima Campos, perdendo-se em fresquíssimo gáudio nos salões e óleos do Bristol. Estava sozinha e percebeu que alguns falavam dela. (Convenhamos que três casamentos civis, para a Lisboa da época, era um número considerável.)
- O one step!
Nova euforia na sala. Oh, alguém abra uma garrafa de champanhe com ruído, por favor! É o toque que falta ao momento, sem dúvida. Leonor sorria. E que fazer, senão sorrir perante tal encantador espectáculo?
- Senhora Viscondessa?
Leonor olhou na direcção da voz. Era um desconhecido que lhe dava o braço. E porque não? Sorriu, dançou com ele. Era mesmo o que ela precisava. Riu-se enquanto dançava, trocava olhares com o seu parceiro. Riu-se.
Sejamos francos. Não, não era necessária qualquer retórica.

Relatado por Jules

domingo, 20 de setembro de 2009

Quinta-feira, 16h

Quem sou eu esta noite? Fatalista? Materialista? Idealista? Cínico e céptico ou crente e reverente? Não sei.
E por não o saber, nunca o que escrevo significará nada para ninguém. Nenhuma mensagem. Nenhum objectivo. Nunca terei a arte de escrever um grande livro. Nem sequer um pequeno. Nunca serei poeta nem trovador.

Por isso reduzo-me a coleccionar fragmentos, pensamentos que foram meus há uns segundos atrás e que pouco depois nada me dizem. Espelhos quebrados que em nada me reflectem.
Mas um homem tem que viver de alguma coisa. Apenas peço o dinheiro para poder continuar a beber e a sonhar nas noites longas do Bristol. Por isso vendo os meus contos a amigos que acabo de conhecer, companheiros de bebida neste clube.
Amigos dos 10 escudos, amigos dos 20 escudos, com sorte por vezes amigos de 50 escudos. Assim vou sustentando o sonho e o whisky.
Não preciso de mais nada.


J.F.


Quarta-feira, 22h35

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo VIII

Vermelho e negro.
(Não, não é um romance nem uma mesa de roleta)
Velocidade e força contra agilidade e inteligência.
Um rumor surdo que se transforma num ruído ensurdecedor. Ofegante. O chão treme e a terra embebe-se de sangue.

Inicio da noite na praça de touros do campo pequeno.
Motivo: encontrar-me com os meus novos, e até agora desconhecidos, camaradas de luta. (Luta? Qual luta? Nem eu sei.)

Na verdade nunca fui grande aficionado da festa brava. Sortes, derrotes, estoques e apoderados… o simples facto de esta gente utilizar esta expressões com a arrogância de um iniciado que sabe algo mais do que os simples mortais sempre me irritou. E apesar disto, aqui estou.

(Uma noite de festa no Bristol. Algumas palavras trocadas com Luís, o barman. E assim estava marcado um encontro que poderia garantir a minha entrada na Organização. Finalmente um caminho que me levava para junto dela. Foi mais fácil do que esperava.)

Vigio as bancadas febrilmente, expectante em ver surgir os meus contactos, temeroso de ser observado por algum polícia à paisana. Passado um tempo (que me pareceu ser várias horas, mas que pode bem não ter ultrapassado alguns minutos) noto que me fazem sinal de junto do túnel de acesso. Dirijo-me para lá. Uns segundos mais tarde as apresentações estão feitas, um carro espera-nos enquanto me dirijo para a saída. Uma brusca pancada na nuca. O tempo abranda enquanto caio e perco os sentidos. Sangue.

Enquanto isso, na arena, cavalo e cavaleiro dançam com o touro ao ritmo de paso doble.
Relatado por Joszef

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Bristol Club. 14 Setembro 1927.

O Rui já me tinha convidado para o casamento quando cá veio com a Bianca. E fiquei feliz, por saber que ele finalmente tinha seguido o seu rumo, sem mais conversas ou complicações. Mas no dia 11, na igreja de S. Pedro de Alcântara, alguma coisa me prendia ao seu olhar fixado em mim. Estava diferente, parecia uma criança perdida dos pais. Sentia-o nervoso, sem a sua majestosa confiança e morto por sair da frente do altar. Olhei para Bianca que estava nesse momento a entrar na nave principal, trazia um vestido de puro branco e flores de laranjeira no cabelo escuro. Quando procurei a reacção dele descobri que se encontrava no chão, sem sentidos. Naquela manhã de 11 de Setembro, na igreja de S. Pedro, não houve nenhum casamento.
Nessa noite, no Bristol, ele apareceu, com a tez pálida com o fato amarrotado. Pediu um gin ao Luís e procurou-me na sala. Fui em seu auxílio e disse-me que não aguentava mais. E entre o barulho das pessoas e a musica alegre...
Não te quero! Mas é-me impossível deixar-te.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Bristol Club. 8 Setembro 1927

Fizemos uma festa especial a noite passada. Contratei alguns músicos adicionais para a banda e pedi para as dançarinas montarem um novo espectáculo. Mudei a decoração com a ajuda da Catarina enquanto o Luís foi fazendo a reposição do bar.
Vieram pessoas de toda a Lisboa. O salão ficou cheio e o ambiente era de êxtase. O Luís não teve descanso no bar e tive de pedir à Catarina que me viesse ajudar a servir nas mesas do salão. Encontrei o Francisco que me pediu para o levar à Gertrudes, a nova rapariga que veio das Caldas.
Os clientes regulares mantiveram-se nos seus lugares habituais com o whisky de sempre. Não pude deixar de notar, no entanto, nos olhares que lançavam à sala, ou no pé que batia ao ritmo da música. Os clientes novos, esses fizeram promessas de voltar mais vezes.
Ver assim tanta gente tirar partido da festa à qual dediquei tanto esforço deleitou-me. É certo que já tinha dado mais festas antes, mas esta, é diferente. Fiz com que nesta noite estas pessoas esquecessem os seus problemas. Pelo menos a maioria das pessoas.
A meio da noite, comecei a ouvir vozes mais altas do que a musica, apercebi-me que estavam dois homens no bar quase à luta, estando o Luís desesperado por tentar acabar com a gritaria.
Ao que parece estavam a lutar por uma rapariga ruiva que estava sentada no fundo da sala.

domingo, 6 de setembro de 2009

Bristol Club. 6 de Setembro 1927

Há dias fui dar uma volta com o Luís e com a mulher dele, Catarina.
Passamos pelo castelo e o Tejo estava tão reluzente que decidimos ir os três provar a água. Fomos falando no caminho de algumas normas do Bristol que queria esclarecer com o Luís, uma vez que às tantas aparecem lá pessoas estranhas que fazem questão de falar com ele em privado. Falávamos normalmente apesar dele nos mandar calar quando aparecia alguém suspeito. Pusemos o assunto de parte quando eu e a Catarina começamos a relembrar episódios do liceu.
Ao chegar ao rio o Luís arregaçou as calças e foi molhar os pés com a Catarina.
Fiquei sentada na margem a observar esta cena. Ao que parece ela está à espera de um filho.
Ao longe vi um barquinho com um senhor já de idade que parecia estar com dificuldades em subir o rio. A corrente estava muito forte por isso ele deixou-se ir, deve ter decidido subir o rio noutro dia.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Quarta-feira, 17h30


Olho para o relógio. Neste instante passam 31 segundos das cinco e meia. Peço desculpa, 32. Ou melhor, 33…34…35…desisto…

Este pequeno exercício é uma mera metáfora para a forma como tenho passado estes últimos meses da minha vida. Um sentimento de urgência associado a uma profunda inércia nunca poderia dar bom resultado. Assim paro por momentos a observar como o tempo passa rapidamente e admiro a minha total incapacidade de me decidir a agir. A cada momento feliz segue-se inexoravelmente a melancolia. Mas confesso que me é impossível explicar o porquê. Porque estou infeliz agora? Porque que estava tão feliz há poucos dias?
Sinto que preciso de fazer algo da minha vida, mas não sei o quê. Por isso escrevo. Por isso deixo passar as horas enquanto bebo mais um whisky.
E, como o Bristol não tem hora de fechar, tenho saído tão tarde, ou tão cedo, que a caminho de casa, oiço as varinas gritando os seus pregões enquanto sobem as velhas ruas da cidade.


J.F.


Sexta-feira, 12:55

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo VI

Enquanto acabo de almoçar ainda me é difícil digerir os acontecimentos desta madrugada. Sem querer estou cada vez mais a envolver-me numa história complicada e sem regresso aparente. Polícia, opositores, conspirações…tudo isto por uma rapariga. Será que vale o risco de seguir este caminho? Pergunta retórica… não tenho escolha, deixei de a ter desde que vi a cor daqueles olhos.
Tenho que continuar à procura, aquele barman deve saber alguma coisa. Tenho que o convencer a falar antes que a polícia o faça. Mas não hoje. Acho que é melhor manter-me afastado do Bristol por uns dias. Deixar as coisas acalmar.

Por agora, limito-me a pedir um café e a conta.
Relatado por Joszef
Quinta-feira, 16h00

Hoje almocei com a Marta.
Cheguei cedo, mas ela tinha-se adiantado. Insistiu para que nos sentarmos numa mesa no canto do restaurante e pareceu-me tensa nervosa em todos os movimentos. Ao fim de uns minutos de conversa percebi que a revolta de Fevereiro, e a prisão dos nossos amigos, a tinham arrasado.
Quando falamos do meu livro implorou-me para que não o continuasse a escrever. Disse que não era tempo de se escrever sobre conspirações, revolucionários e revoluções. Nos olhos e na voz dela vi medo, um medo difuso que noto cada vez mais nos habitantes desta cidade. Nas conversas de café ouvem-se, sussurradas, histórias de denúncias e prisões. Sobre as ruas ensolaradas desta cidade paira uma sombra de indefinição.
Mas eu não me meto em políticas. Foi isso que disse à Marta e pusemos de lado esse assunto. Após alguns minutos, em que comemos em silêncio, perguntou-me inesperadamente se não havia demasiadas semelhanças entre mim e a personagem que criara mas quando, após alguns segundos de estupefacção, me preparava para responder notei que ela se voltara a concentrar-se na comida. Não esperava resposta.
Despedimo-nos à saída do restaurante. Fiquei uns momentos parado, enquanto a via correr atrás do eléctrico que se preparava para partir. Mas ao entrar, Marta olhou para trás tristemente, como se temesse não me voltar a ver.


J.F.


Segunda-feira, 21.30h

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo VII

Há três noites que não vou ao Bristol.
Curioso como é tão fácil habituarmo-nos a uma rotina, e quão difícil é livrarmo-nos dela. Sem poder ir ao Bristol não sei o que fazer das minhas noites. Nem dos dias, para dizer verdade.
Desde o fim-de-semana que me encontro num estado febril de inacção absoluta. As paredes deste pequeno quarto alugado parecem aumentar e diminuir obedecendo a uma cadência rítmica incógnita. As sombras alongam-se e tomam formas bizarras que, no meu estado alterado, me parecem simultâneamente surreais e hiper-reais. E em torno de mim dançam, como se me encontrasse no centro de uma macabra actuação da Sagração da Primavera.
Quando milagrosamente adormeço, nunca durante mais de umas horas, sonho. Sonhos estranhos e perturbantes que não consigo explicar. Eternas perseguições por ruas simultâneamente familiares e desconhecidas. Momentos de terror irracional que me afligem momentos antes de acordar.
E assim entre sonhos e divagações tenho passados os meus dias, neste quarto claustrofóbico.

Minto.

Também os tenho passado a pensar nela.
Tento em seguida lembrar-me do momento em que primeiro a vi. Uma memória quase fotográfica. Mas aparentemente todas as memórias mentem e com o tempo transformam-se em fantasmas cada vez mais vagos.

Estou a enlouquecer. Tenho que sair daqui.
Tenho que voltar ao Bristol.
Relatado por Joszef

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Bristol Club. 5 Agosto 1927

O que dantes eram saudades do campo, agora são saudades de Lisboa.
Nem tive tempo para desfrutar da brisa fresca que por aqui corre. Recebi uma carta do Luís a dizer que precisava de mim no Bristol. Pedi desculpa a todos dizendo ter uma emergência em Lisboa e fui-me embora. Na verdade nem tive muitos problemas em arrumar as malas, acabadas de desfazer e partir para a capital.

Por cá faz mais calor.
As noites quentes atraem as pessoas à rua, acompanhadas ou sozinhas, vêm para se divertirem e deixarem de parte todos os problemas. Aqui estão alegres. Bebem, fumam charutos, dançam toda a noite. Na verdade, esta foi a crise com que o Luís se deparou. Não conseguiu lidar muito bem com tantas pessoas e precisava de ajuda.
Com o nascer do dia vão deambulando, agarrados a desconhecidos e seus semelhantes, cantando e dançando pelas ruas apertadas da cidade. Há quem tenha sorte e chegue a casa, rompendo pela porta ainda a cantarolar e leve um sermão da mulher ou um aperto de orelhas do pai. Os que não têm sorte, para alem das represálias em casa, há ainda o que pode encontrar nas ruas a caminho de casa. Quando se está bêbado, dizem-se coisas que podem ser verdade e muitas delas sem sentido, mas se chega aos ouvidos errados, podem passar a ouvir mais um sermão na esquadra da policia. Não só por se estar bêbado.

sábado, 1 de agosto de 2009

Lamego, 1 Agosto 1927

Deixei o Luís no club durante a minha ausência. Tinha de sair de Lisboa.
Assim que cheguei a casa de minha avó, aqui em Lamego, reconheci todos os aromas de outrora. Vinham-me à memória histórias e recordações vividas. Tinha amigos de verão. Íamos todos os dias tomar banho para a lagoa e ficávamos o resto da tarde deitados nos lameiros. Acho que a Beatriz e a Maria deixaram de cá vir. A Maria é enfermeira em Braga e a Beatriz foi para França com o marido. Quanto aos rapazes, a maioria estão alistados no exército aqui em Lamego e já têm família. Decidi ir visitar o Manuel, que entretanto se tornou padre, e que foi o único com quem mantive contacto ao longo destes anos. Foi ele que me contou tudo o que se passou nos Verões em que estava em Lisboa. Agora arrependo-me de não ter vivido e acompanhado todas estas novas aventuras que tiveram.
O Manuel também me disse que o Hélder ainda estava solteiro e ainda em Lamego.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Bristol Club. 27 de Julho 1927

Há uns dias uma colega do liceu mandou-me uma carta dizendo que precisava de falar comigo, combinando o ponto de encontro num café do Rossio na tarde do dia seguinte. Encontrei-a e fui cumprimenta-la, ao lado estava um homem novo de cabelo castanho e de olhos cansados. Este é o Luís. Estamos casados há dois anos. Bem, seria de esperar, ela sempre foi namoradeira.
Conheceram-se no Porto quando ela foi trabalhar para um caseiro em Gaia. Na altura ele estava no Regimento de Caçadores 9 a prestar serviço militar.
-Mas esse não foi aquele regimento que...
Os olhares cruzados que depois se desviaram para o chão disseram tudo por isso calei-me. Eu estava certa, foi aquele o regimento que participou naquela revolta que houve em Fevereiro no Porto. Luís conseguiu escapar vivo à revolta apenas com um ferimentos ligeiros, mas a sua vida tinha começado a ser ameaçada com as perseguições, que alguns dos seus camaradas já haviam sofrido.
A fuga do Porto trouxe-os até Lisboa. Na minha opinião não será o sitio mais acertado para se refugiarem uma vez que é a sede do governo e as ruas estão minadas de polícias, eles acham que devem manter os "inimigos" perto.
Finalmente tenho um novo barman.

sábado, 25 de julho de 2009

Terça-feira, 20h00

Ainda não consegui falar com Marta.
Parece que um qualquer destino me impede de saber o que motivou aquele olhar perturbado. No dia da reunião ela desapareceu inesperadamente. Seguiram-se apenas encontros fugazes, mas algo de estranho se passa. Consigo pressentir o desconforto…mas a que se deve?

J.F.


Quinta-feira, 03h30

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo V

Se há uns dias era a falta de notícias que me atormentava agora constatar é o excesso delas. Porque não as consigo assimilar, ordenar, compreender. Nas últimas horas parece que o tempo acelerou, os acontecimentos sucederam-se perante a minha falta de reacção. Só agora, com um copo de whisky à minha frente e um cigarro na mão, começo a raciocinar.

Mais uma noite no Bristol, como as anteriores. Estava encostado ao balcão, absorto na ausência de pensamentos até me ter apercebido de uma agitada troca de palavras:

- …reunião…no Bristol. Ela disse que era seguro.
- Já te disse que não. Não podemos comprometer o Bristol.

Durante esta conversa mantive a cabeça baixa e o olhar fixo no copo vazio à minha frente. Por isso apenas vi de relance o vulto que se afastava do barman batia com a porta. Poucos segundos depois, esse vulto reentrou a correr, com o pânico espelhado no rosto. Em perseguição vinham dois homens, de gabardine e chapéu cerrado sobre os olhos, que o empurraram contra o balcão. Num ápice todos nos levantamos, confusos. Na porta apareceu um terceiro homem, vestido como os restantes. Mostrando um crachá, anunciou laconicamente tratar-se de uma operação policial. O fugitivo estava a monte desde Fevereiro. Lentamente a ordem voltou a instalar-se, enquanto os dois homens escoltavam o suspeito até à rua. O chefe no entanto ficou para trás.

- Meus senhores, só uma questão. São clientes habituais? Óptimo. Talvez me possam informar acerca de uma mulher. Alta, morena, olhos verdes…Ninguém? Bem, caso se lembrem de algo, há uma recompensa. Boa noite.
Relatado por Joszef

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Sexta-feira, 23:50h

Porquê aquele olhar?
Por uma noite deixei o Bristol. Encontrava-me reunido com pequeno clube literário a que pertencia até à sua dissolução no ano passado. Quando nos encontramos pela primeira vez éramos apenas um grupo de jovens com pretensões a escritores, inspirados pelas revistas literárias em voga. Alguns, como o Tomás, tinham alcançado sucesso, outros, como eu, limitavam-se a escrever para não morrer.
Foi estranho rever as caras que conheci e estão agora tão diferentes. Passou um ano, mas podia ter passado um século. Foi a ausência que mais notei. O Pedro e a Maria, presos em Fevereiro. Miguel, que fugira para França.
Li os primeiros capítulos do meu livro. Ao contrário do que esperava, fui elogiado. Todos pareciam ter gostado, exceptuando…
Exceptuando Marta. Quando acabei de ler o último capitulo e olhei os rostos sorridentes dos meus amigos, notei o olhar perturbado de Marta. O que a fizera ficar assim?

J.F.


Domingo, 14h00

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo IV

Desaparecida.
Toda a felicidade de a ver perto de mim se esbateu na semana seguinte. Dia após dia, esperei por ela no mesmo lugar. Não a voltei a ver.
À medida que os dias se seguiam e a espera continuava fui perdendo todas as cautelas. Interroguei os meus companheiros, clientes fiéis do Bristol, mas ninguém sabia nada de concreto.
Rumores, apenas rumores. De ligações políticas perigosas, de clandestinidade e oposição. Que desaparecera algures para o interior do país.
Rumores, nada mais do que isso.
Relatado por Joszef

domingo, 19 de julho de 2009

Bristol Club. 19 Julho 1927

Várias pessoas me perguntavam porque é que acabei com o Rui. Agora já ninguém fala nisso e até parece que ele está com outra rapariga que mora em Alcântara. A senhora da limpeza, sem qualquer discrição, até disse que era bastante “apetecível” para os homens. Apetecível? Qual é o sentido dessa palavra?
Não tardei a descobrir quando desceram os dois as escadas do Bristol de braço dado e bastante cúmplices, trocando palavras secretas e gestos específicos. Trazia um vestido de franjas e um colar de pérolas até à cintura notavelmente elegante. Ao depararem-se comigo calaram-se os dois, ficando apenas um sorriso simpático e cordial.
Como tens passado? Oh, que cabeça a minha, esta é a Bianca. Estamos noivos.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Bristol Club. 15 Julho 1927

À medida que tento procurar um novo barman para o club, aumenta o meu confronto com uma questão que sempre me acompanhou mas que nunca tinha reparado nela. Confiança.
Confiar em alguém é para mim uma tarefa difícil. Chamem-lhe o que quiserem. Traumas. Defesas pessoais. Personalidade. Não interessa, nem importa. A verdade é que, após a partida do Afonso, não consigo imaginar ninguém para ocupar o seu lugar. Já o conhecia, já confiava nele e sabia que não faria nada que fosse contra os meus desejos.
Em quem confiarei a co-gestão do bar. Não posso saber se o perfeito desconhecido que vou contratar me vai agradar ou não. Nem o Rui me causou tantos problemas de confiança. Pelo menos nos primeiros tempos.

domingo, 12 de julho de 2009

Segunda-feira, 22:50h


Deixei de beber. Faço este anúncio como quem anuncia algo de importante e monumental, quando na verdade apenas passaram dois dias desde que bebi o último copo de whisky. De facto é algo de totalmente irrelevante. Não o fiz por razões morais, muito menos por preocupações de saúde. Pura e simplesmente descobri que sem o álcool o meu vício era outro: escrever. E assim consegui retomar aquela personagem perdida e a sua história de amor inexistente.
Não avancei muito, mas já foi qualquer coisa….

J.F.

Quinta-feira, 00:42h

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo III

Eu disse que não conseguia esquecer!
Escrevo febrilmente estas linhas num guardanapo enquanto retomo na minha mente o filme desta noite.
Parecia só mais uma noite no Bristol, igual a todas as que se tem seguido ininterruptamente nas últimas três semanas. Até que…terá sido uma miragem? Parecia que o mundo estava a girar mais lentamente, enquanto ELA se sentava, na outra ponta do balcão. Sim, era mesmo ela. Os mesmos olhos verdes que nunca irei esquecer.
Estava sentada ao balcão, a beber um Martini e a fumar um daqueles longos cigarros de senhora. O vestido era vermelho, mas um vermelho sóbrio e quase frio.
Fiquei a olhá-la esquecido de tudo. Não sei quanto tempo passara mas ela levantou-se, calmamente. Enquanto se levantava pude vislumbrar, por baixo do vestido, uma combinação preta…
Fechei os olhos, pedi outro whisky. Duplo, talvez. Quando voltei a olhar ela já desaparecera, como num sonho.
Relatado por Joszef

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Bristol Club, 11 Julho 1927

Apetece-me ausentar durante uns dias. Fugir de tudo e encontrar refugio.
Quero rebuçados da Régua apanhar a locomotiva e percorrer a linha do Douro.

As memórias desses tempos...

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Bristol Club. 9 Julho 1927

Ouvi chorar e tive de deixar o bar para ver o que se passava. A noite estava quase no fim e a banda cansada de tocar. Ao chegar à entrada apenas ouvia um soluçar que não parecia ter fim. Procurei na escuridão e lá estava ela, uma menina pequena, pouco mais de 8 anos. Dizia entre lágrimas que não sabia o caminho para casa, tinha saído com o pai do club mas distraiu-se no caminho.
Oh o que fazer? Nem eu sei o meu caminho quanto mais o dela.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Sexta-feira, 23:30h

Mais outra noite a beber no Bristol.
Escrever…tenho que voltar a escrever.

J.F.

Sábado, 02:14h

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo II

Já passaram duas semanas depois daquele encontro fatal.
Desde que a rapariga dos olhos verdes me disse aquelas quatro palavras que não tenho feito outra coisa senão beber. Os dias seguiram-se uns aos outros, numa névoa permanente. Mergulhei numa garrafa de whisky e só agora estou a sair dela, semi-afogado.
Bebi para esquecer e, apesar de tudo, não consigo deixar de lembrar...


Relatado por Joszef

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Bristol Club. 4 Julho 1927

Azul, a manhã estava azul...
A noite passou tranquila para todos, excepto para o Afonso que com o medo, não saiu mais do gabinete... E obviamente para mim... Para alem de ter ficado a noite inteira a servir ao balcão, tive bilhetes de primeira fila para assistir à vida daquela família ao vivo. Crianças a sorrir, como me alegram... Comemora-se o dia da Independência na América.
A Dona Adelaide, mais calma, voltou ao club dirigindo-se ao gabinete. Copos partiram e gritos soaram no final da noite. Houve choro e chegaram à conclusão que não era necessário derramar sangue. Saíram de mãos dadas, ela olhou-me. Sabia o que o olhar dela me dizia.
Definitivamente, tenho de arranjar um novo empregado.

sábado, 27 de junho de 2009

Quinta-feira, 00:40h

Observo fotos antigas, enquanto acendo mais um cigarro.
Parece que nada mudou em tantos meses de ausência. Ou então, talvez tenha apenas sonhado toda a minha viagem. E se de facto nunca tiver partido?

E porquê…
Porquê que a preto-e-branco as pessoas são mais belas?

J.F.
Relatado por Joszef

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Bristol Club. 22 de Junho 1927

Os fins de tarde passam de forma serena. É a hora que mais gosto no dia. O sol cede perante a lua e o escuro da noite. Deixa sempre uma sensação de felicidade nostálgica. As ruas estão vazias e o sol deixa um tom rosa no céu.
Estava a arrumar as cadeiras do salão com a porta do club aberta, para entrar a ultima luz do sol. O senhor Afonso estava a limpar copos no bar. Alguém pergunta se pode entrar. Era uma voz aguda, feminina, suave, educada. "Entre, já vou aí ter consigo". Subo as escadas e vejo...
Desta vez os olhos dele já não se cruzaram com os meus. Olhava para o chão ou desviava o olhar. Ao seu lado estava uma menina com os olhos mais azuis, que eram definitivamente os da mãe. "Papá, papá! Vai haver musica?".
"Eu mato-o!". Atropelando tudo e todos apareceu a senhora Adelaide num claro estado de nervosismo misturado com loucura.

domingo, 14 de junho de 2009

Quinta-feira, 00:30 horas

Mais uma noite no Bristol, a mesma madeira de mogno impregnada do cheiro a tabaco turco.
Hoje a noite está calma. Um jornal abandonado no balcão entre copos vazios de Whisky e Gin. Viro as páginas sem atenção. “Perigosos agitadores executados nos Estados Unidos”, parece que eram anarquistas italianos. “Tunney derrota Jack Dempsey em combate controverso”. Interessante, esperava que Dempsey conseguisse recuperar o título mundial.
Largo o jornal e olho para o relógio. Já passa da meia-noite. Ontem ouvi uma história curiosa sobre um amigo de um amigo. Um verdadeiro Don Juan, conseguia conquistar qualquer rapariga. A técnica? Sempre a mesma. Aproximava-se e perguntava as horas. Em seguida olhava-a nos olhos dizendo: “por te ter encontrado, vou recordar para sempre este minuto”.
Bela história. Parece saída de um filme. Podia aproveitá-la, não escrevo nada desde segunda.
Do outro lado da sala senta-se uma rapariga. Morena, olhos verdes. Não sei porque ocorre-me aquele choque momentâneo de há alguns dias. Será a mesma rapariga?

J.F.

Sábado, 01:00

Desde que esbocei o inicio daquela história, na Segunda-feira de madrugada, não a consegui retomar. Todas as noites tento escrever, todas as noites acabo por ficar no Bristol.
Para ser perfeitamente honesto, devo dizer que mesmo quando escrevo não abandono este lugar. A história que comecei passa-se aqui, de uma forma ou de outra.
Um Bristol Club de fantasia, que é ao mesmo tão real como este onde me encontro. Um narrador que já não distingo de mim próprio. E um par de olhos verdes que me atormentam, tal como perseguem a personagem que criei.
Quem de nós será então o mais real? Qual de nós a personagem, qual o autor?
Talvez seja este o meu problema: pensar demasiado, cair em solipsismos.
Sei que não devia ter passado para o papel aquele esboço, citar uma rumba foi aproximar-me do ridículo. De qualquer das maneiras não tenho tempo de o desenvolver. As malas estão feitas e o Capitão Marlow disse que zarpamos de manhã cedo.
Peço outro whisky e vejo as horas passar.

J.F.
Relatado por Joszef

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Bristol Club. 11 de Junho 1927

A verdade é que a senhora Clara tem-me deixado bastante ocupada. Passa por cá todos os dias sempre que pode controlando o menino Francisco. Será que ele não pode ser despedido? Trabalha como funcionário na pasta das colónias, assim mo disse a Raquel e a senhora da limpeza. Será que nada lá acontece? Estar-se-à a viver tão bem que até os funcionários se dão aos luxos da vida urbana de Lisboa durante quase todo o dia? Entrando pelas portas traseiras e interrompendo muitas vezes conversas com o senhor Afonso no escritório, só para fugir ao controlo da sua mãe?
O senhor Afonso continua a chegar tarde a casa. Recebi um bilhete da Adelaide dizendo para me lembrar da nossa conversa. No entanto ele sai mais cedo. Sou eu que tenho de arrumar as garrafas e fazer a reposição. Não tarda estará também a inspeccionar as redondezas. Desconfio...

sábado, 6 de junho de 2009

Sábado, 03:05 horas

Sempre gostei do fumo do tabaco a envolver-me. Relaxar num clube como este, um dos pequenos prazeres de uma existência banal. Sem querer, esta noite ao entrar, choquei com uma rapariga. Mas, quando me voltei para pedir desculpa já não a vi. Curioso, pensar que estivemos tão próximos por um segundo.
Um segundo? 0,0001 segundos, uma mera fracção de fracção.
Dois estranhos. Provavelmente nunca nos voltaremos a cruzar nesta vida. Mas naquele momento preciso estivemos tão próximos.

72 horas depois, deste lugar onde me sento, um homem observa esta rapariga e apaixona-se.

J.F.

Segunda-feira, 05:23

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo I

Estranho, como uma simples troca de olhares consegue despertar um sentimento adormecido. Cruel, como uma simples troca de palavras destrói tantas ilusões. Entrei neste clube, como podia ter entrado em qualquer outro desta cidade. Sentei-me neste lugar, entre tantos, e ao olhar em frente apaixonei-me por um par de olhos verdes.

Aquellos ojos verdes…

Uma bebida, outra, talvez mais uma ainda para ganhar coragem. Uma troca de palavras que rapidamente se transforma numa conversa. Ilusões, apenas ilusões desmoronadas por uma simples expressão: “o timing foi mau…”. O tempo, sempre o tempo, o verdadeiro inimigo.
Continuo sentado no meu lugar, uma bebida, talvez outra, para esquecer.


Relatado por Joszef

domingo, 31 de maio de 2009

Quase um mês passara desde o encontro com Miguel. E ei-lo de novo ali, no Bristol. Quase um mês passara desde o encontro com Miguel e há quase um mês que a lembrança de Leonor o vinha revisitando. Leonor. Essa adorável divorciada de um visconde que comprara o título.
Na véspera de partir para Itália, a promessa tinha sido a de a avisar mal voltasse. De facto um qualquer jornal disso se encarregara. E tinham-se encontrado. Como prometido. O entusiasmo das notícias por partilhar tinha adiado o desconforto. Irremediavelmente foram-se afastando. Até porque havia Miguel, até porque havia Maria Teresa.
Fora com alguma surpresa que recebera o telefonema de Miguel para se encontrarem no club há quase um mês. Surpresa maior fora saber a causa: Leonor.
Leonor, com quem Tomás fugira – no sentido literal do termo – para Paris. Assim, de repente, naquele final de Outono de 1925, no dia em que os jornais anunciavam a demissão de Teixeira Gomes.
Imbuídos de uma destruição cega e inconsciente, tinham fugido. Miguel da fuga soube por Carolina, a irmã de Tomás a quem este enviara uma carta.
E os dias de Paris… Tomás, sentado na poltrona, fechou por momentos os olhos, ouvindo a música da orquestra, relembrando um pedaço de Rue de Rivoli. Depois, apenas o fim, o regresso sem conversa.
E Leonor a voltar para Miguel, que a perdoava. E Tomás a decidir-se por Itália. E Maria Teresa a procurar Tomás antes da partida.
E Maria Teresa que agora estava em casa, enquanto Tomás se encontrava no Bristol, há quase um mês relembrando a viscondessa de Lima Campos.


Relatado por Jules

sábado, 30 de maio de 2009

Bristol Club. 30 de Maio 1927.

O circo vem amanha à cidade. Não se vai instalar muito longe daqui, o que é bom. Devo passar por lá. Convidarei o Senhor Afonso, a mulher, e os trabalhadores do club no geral. A Barbara, a Raquel, a banda, os empregados, as garotas. Vamos ser um grupo enorme, e vamos causar estupefacção com o nosso brilho. Vamos dar mais nas vistas que os Leões selvagens que trouxeram das colónias.
Acho estimulante fomentarmos este sentimento de união e amizade. É um prazer trabalharmos com as pessoas que mais nos ajudam e as quais temos o deleite de ajudar. Saberemos todos a vida uns dos outros e seremos mais honestos. Seremos uma família. O tal sentimento de união que nunca conheci.
Oh... O menino Francisco foi apanhado. Não houve nada que pudesse fazer.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Bristol Club. 18 de Maio 1927

Tudo acalmou. Depois de todas as chatices, o Rui começou a deixar de aparecer, assim como a chuva e assim como os clientes. Duvido que o Afonso precise de ficar até mais tarde com a clientela que temos. A música da banda ficou mais calma. As raparigas dançam menos e mais suavemente. Os clientes vão dançando cabisbaixos. Como se uma grande desgraça abatesse sobre o club. Estarão todos a esconder-me alguma coisa que não sei?
Ando nas nuvens e não sei porquê. Até a senhora da limpeza me perguntou se estava bisonha. Disse que não, independentemente do que seja. Ela não terá mais ninguém com que se preocupar? Começo a sentir um carinho caloroso da parte dela. Como se fosse... Oh não me quero lembrar dela.
No entanto, acho que o vi passar na rua no outro dia. Seria?

terça-feira, 12 de maio de 2009

Bristol Club. 13 de Maio 1927

Ohh aquela noite. O sujeito foi-se embora ao raiar da aurora, tinha um transporte para apanhar. Senti o bar ficar vazio à medida que amanhecia, assim como eu senti nada restar dentro de mim. Ficámos a noite toda a falar e a trocar aqueles olhares, que só quem os troca consegue sentir. Não me lembro de clientes, do senhor Afonso, das raparigas, da banda que tocava doce musica, ou sequer da chuva que batia com toda a força. Estava anestesiada com o sabor envolvente do álcool e das palavras. E que palavras. Muitas delas nunca as tinha ouvido na vida. Como se estivessem guardadas para eu as ouvir num momento especial. Foram palavras efémeras, e desvaneceram quando ele abandonou o club.
A verdade é que com todo este borbulhar de emoções, senti a necessidade de ser amada, na totalidade. De necessitarem de mim. De acalmar uma dor que só eu posso causar. O Rui apareceu. Aquela figura de desesperado despertou em mim memórias e saudades que não pensei ter. E aconteceu. Sim, aconteceu. Tinha esclarecido, no entanto, que seria apenas fruto do meu desejo esporádico e que não significaria que voltasse para ele. Ele concordou mas nos dias seguintes ele foi aparecendo.
Espaço, preciso de espaço. Não suporto a pressão.
Deixei o senhor Afonso sair mais cedo. Penso que preciso de lhe contratar um ajudante.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Bristol Club. 11 de Maio 1927

Apercebo-me à medida que tomo cada vez mais contacto com os clientes, que o ser humano é uma coisa que me transcende. Cada pessoa tão complexa e única e ao mesmo tempo tão igual e padronizada como o resto. É a isso que se chama sociedade?

Já é tarde e confesso que me sinto um pouco fora de mim devido às bebidas que foram oferecidas por um sujeito. Ele próprio único, complexo... tão igual aos demais. Mas há qualquer coisa... Transcende-me.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Miguel hesitou antes de entrar. O Bristol. O Bristol.

Aquele era um lugar a que ele vinha ficando cada vez mais avesso. A música, o álcool, a coca… Não, não era lugar para ele. Cada vez lhe pareciam mais distantes… O Bristol, o Maxim’s, o Club dos Patos.

Mas Tomás insistira. Tomás. Era por Tomás que Miguel esperava nas salas luxuosas do club. Ainda era cedo, não andava por ali muita gente. Viu uma rapariga em trajes diminutos – outra chamou-a depois por Bárbara – que se ria de algo que um jovem macho lhe dizia. Para Miguel, aquilo já não era nada.

E Tomás? Tomás que, como não poderia ter deixado de ser (ou poderia?), se afastara de Miguel. Esse Tomás que há um ano atrás fizera furor com aquele manuscrito que trazia debaixo do braço. Desaparecido e regressado, o seu romance fora um sucesso. De repente, toda a gente andava a lê-lo. Os teatros de Lisboa tinham até decidido montar novamente as peças dele: A Rosa do Norte, Tragédias de um Burguês e outra cujo nome Miguel não se lembrava. Na primeira reaparição no Bristol, naquela mesma sala, fora ovacionado pelos noctívagos. Depois de uns meses em Itália, Tomás era o herói da capital.

Mas Miguel percebera. Tudo. Reconheceu cada uma das personagens do romance. Sabia que ele era Jerónimo, figura literária que se podia resumir a parvo. Sabia também quem eram Constança, Laura, Marcelo e todos os outros que se passeavam por aquelas páginas.

A trama era quase confusa – todos gostavam de todos – e os cenários estavam ali, eram o Bristol, o Maxim’s. Uma vaga reflexão decadentista tinha o seu lugar nas últimas páginas, o que fizera com que Tomás de Albuquerque fosse louvado como o bardo de um Portugal a refazer, de uma procura dos cálidos sentimentos bucólicos genuinamente portuguesa. Outros viram nele a expressão última do mundo actual, a sublimação do espírito da década.

Mas para Miguel, aquilo não passava de algo muito real: a vida dele próprio e dos seus conhecidos impressa e encadernada.

E agora estava ali, já quase arrependido de o ter procurado, à espera de Tomás. Leonor tinha-lhe voltado a fugir. E da última vez que isso acontecera, tinha sido com Tomás.

Relatado por Jules

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Bristol Club. 5 de Maio 1927

O Bristol Club começa a ter freguesia. Os que passam por cá, ficam apaixonados; os que não passam... Quem se importa com eles? Provavelmente nem as mulheres deles. Andam perdidos por ruelas a cambalearem com a bebedeira, sentindo pena deles próprios.
Por falar em bêbados, quanto a Sir Gainsworth, levei-o à Micaela para ela o animar. Pelo menos aumentou-lhe o ego e pareceu-me muito melhor. É a segunda noite seguida que não tresanda ao álcool barato e apenas sai daqui embriagado de tantas emoções.
Adelaide, a mulher do Afonso pediu para me falar em particular. O assunto era sério e desloquei-me à salinha das traseiras com ela cabisbaixa seguindo os meus passos. É uma senhora muito educada, conservadora q.b. com um vestido, abaixo dos joelhos, com poucos adornos. "O meu Afonso tem aparecido em casa, sabe... hum... tarde. Sinto falta dele, e com ele tão ocupado... poderia, como dizer... talvez deixa-lo sair mais cedo, se fosse possível, claro. Só às vezes! Para tê-lo em casa...". Vi o quanto lhe estava a custar ter aquela conversa e vi as palavras que lhe soavam na cabeça ensurdecendo-a constantemente: Uma mulher, a pedir a presença do marido; onde já se viu; que vergonha. Como eu a compreendia.
O quanto queria eu ter a presença do Rui quando ele passava noites em casas alheias.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

É fim do mês e a chuva voltou, interrompendo o ciclo de calor que já me fazia pensar em dias melhores.
É estranho como nos agarramos às coisas mais inúteis do mundo como ideias e sonhos, a planos que nunca cumprimos e caminhos com destino somente a becos sem saída. A amores que julgamos e queremos sempre que sejam os últimos para todo o sempre, apenas para percebermos, tarde demais, que por vezes nem valia a pena tentar.
De resto, cheguei agora a esta cidade. À procura, precisamente, de dias melhores e mais bem pagos, no que parece ser a minha eterna mentalidade depressivamente optimista. Não tenho dois escudos em meu nome e mesmo que os tivesse provavelmente gastá-los-ia a beber. Enfim, não é nada que não esteja a tentar fazer agora, no meio das ruas que desconheço por completo.
O desconhecido. Adoro-o e, ao mesmo tempo, temo-o. É dele que conheço as minhas vitórias, ainda que escassas. Mas que fazer quando se torna cada vez mais difícil suportar as inevitáveis derrotas, que vêm dessa mesma exploração?
Maldita chuva. Maldita noite. Devia de ter ficado na pensão mas o cheiro, a ratos ou coisas piores, afastou-me e os velhos hábitos duram para o que parece ser o sempre. Foi na pensão, contudo, que ouvi falar deste club. Aparentemente é bem frequentado e qualquer bar, ou seja lá o que for, a bem ou a mal, é sempre fonte de informações e contactos. E um homem como eu precisa e sobrevive por isso. Fica a vinte minutos da pensão, a pé claro. Fica no que parece ser o coração desta cidade que Deus esqueceu.
E claro que, terminado o relato, sobre o club do bêbado da pensão, pus-me a caminho da terra prometida. Bêbado? Agora que penso e que me rio por isso, já vi, ouvi e segui messias piores.
E agora já consigo ouvir a música. E agora já vejo as luzes.
Cheguei. “Bristol Club”.



Relatado por Sir Gainsworth
Bristol Club. 30 de Abril 1927

É fim do mês e a chuva voltou, interrompendo o ciclo de calor que já me fazia pensar em pôr as garotas com vestidos mais curtos. Assim tenho de gastar mais lenha para manter o club quente. Pode ser que atraia mais pessoas. Parece-me que as pessoas têm cada vez menos dinheiro.
A senhora Clara ontem veio cá com o marido e com as filhas ver o espetáculo. É escusado dizer que tive de ir avisar o menino Francisco para deixar as saias da Raquel, compor-se e sair pelas traseiras, para voltar a entrar. Lá voltou ele, e com ar de satisfação, foi descendo as escadas que dão acesso ao salão, fez ar de surpresa ao encontrar a família e ninguém notou que nem tinha os botões das calças abotoados.
Ontem foi um bom espetáculo. Veio uma banda do Porto tocar. Entreteram as pessoas de forma adorável e contagiantemente alegre, enquanto as nossas meninas dançavam com os vestidos coloridos que mandei fazer na dona Celeste. O salão encheu-se de dançarinos que fizeram a festa durar até às 4 da manhã. Nada mau, vi pessoas que nunca tinha visto por estas bandas, e pareciam felizes e animadas com toda a musica e cor.
Foi pena o Rui ter vindo tambem. Não veio falar comigo. Tambem porque estava cheia de trabalho, ele sempre compreendeu isso. Mas ficou a observar-me a noite toda. Ainda me dá arrepios só de pensar no olhar desesperado desejando todos os centimetros do meu corpo. Não lhe vou dar esse prazer.
A senhora da limpeza perguntou-me esta manhã porque é que eu tinha acabado com o Rui se "ele é tao jeitoso e boa pessoa". Sabe lá ela o que o Rui é. Decerto, ninguem o conhece melhor do que eu.

sábado, 25 de abril de 2009

Bristol Club. 24 de Abril 1927

Na noite de hoje, a senhora Clara apareceu outra vez à procura do menino Francisco. Mal sabia ela que o seu querido menino, que ela criou com tanta dedicação, estava no quarto das traseiras de novo enrolado com a menina Barbara. Disse-lhe que tinha passado por cá, bebido um whisky e saído para dar uma volta. O rapaz ainda desgraça o club se a mãe dele imagina o que ele anda a fazer. Tenho de falar com a Barbara. É certo que foi contratada para entreter os clientes, mas já é entretenimento a mais.
O Rui voltou de novo a perguntar por mim no balcão. Não o quero ver. Não depois do que aconteceu. O senhor Afonso inventou uma desculpa, leu a minha mente, nem lhe tinha pedido nada. Já deve ter sabido o que aconteceu pela senhora da limpeza. Cuscuvilheira, não devia ter vindo chorar para o club de manhã.