segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Domingo, 4h30

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo X

Um som. Monótono. Constante. Repetitivo.
Há horas que o meu cérebro se debate com uma amarga indecisão: ficar surdo ou enlouquecer?
Tudo isto por causa daquela maldita máquina tipográfica. Ainda não passaram 2 horas desde que a conheço e já a odeio. Fechado nesta sala, com ordens de escrever os panfletos que ela imprime sucessivamente, que má altura para me dar um bloqueio de escritor.
Estava tão bem no Bristol, um cigarro e um copo de whisky como nos velhos tempos, quando F. se aproximou vindo sabe-se lá de onde.

-“Ordens para ti. Ouvi dizer que és escritor e nós precisamos de umas frases bonitas para os panfletos de recrutamento. Sim. Uma ruela junto ao porto, encontrarás todo o material que precisas.”

E assim aqui estou eu, nesta tipográfica clandestina, fechado numa sala com esta máquina infernal. E com A., absorto na tarefa de inventar slogans. Tarefa que cumpre magistralmente deve-se dizer. Nada é mais fácil para ele do que fazer rimar “Luta” com “Camarada” ou “Povo” com “Revolução”. As palavras fluem em nele como o sangue. Faz parecer tudo tão fácil…
Mas para mim continua difícil. Talvez não o sinta o suficiente. Talvez a revolução não me esteja no sangue. Fecho os olhos e só consigo pensar nela. Ela que me faz estar aqui.
Mas… segundos depois só consigo pensar na dor de cabeça que este barulho me causa…e na folha de papel branco à minha frente…

Relatado por Joszef

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