Quinta-feira, 16h00
Hoje almocei com a Marta.
Cheguei cedo, mas ela tinha-se adiantado. Insistiu para que nos sentarmos numa mesa no canto do restaurante e pareceu-me tensa nervosa em todos os movimentos. Ao fim de uns minutos de conversa percebi que a revolta de Fevereiro, e a prisão dos nossos amigos, a tinham arrasado.
Quando falamos do meu livro implorou-me para que não o continuasse a escrever. Disse que não era tempo de se escrever sobre conspirações, revolucionários e revoluções. Nos olhos e na voz dela vi medo, um medo difuso que noto cada vez mais nos habitantes desta cidade. Nas conversas de café ouvem-se, sussurradas, histórias de denúncias e prisões. Sobre as ruas ensolaradas desta cidade paira uma sombra de indefinição.
Mas eu não me meto em políticas. Foi isso que disse à Marta e pusemos de lado esse assunto. Após alguns minutos, em que comemos em silêncio, perguntou-me inesperadamente se não havia demasiadas semelhanças entre mim e a personagem que criara mas quando, após alguns segundos de estupefacção, me preparava para responder notei que ela se voltara a concentrar-se na comida. Não esperava resposta.
Despedimo-nos à saída do restaurante. Fiquei uns momentos parado, enquanto a via correr atrás do eléctrico que se preparava para partir. Mas ao entrar, Marta olhou para trás tristemente, como se temesse não me voltar a ver.
J.F.
Segunda-feira, 21.30h
Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo VII
Há três noites que não vou ao Bristol.
Curioso como é tão fácil habituarmo-nos a uma rotina, e quão difícil é livrarmo-nos dela. Sem poder ir ao Bristol não sei o que fazer das minhas noites. Nem dos dias, para dizer verdade.
Desde o fim-de-semana que me encontro num estado febril de inacção absoluta. As paredes deste pequeno quarto alugado parecem aumentar e diminuir obedecendo a uma cadência rítmica incógnita. As sombras alongam-se e tomam formas bizarras que, no meu estado alterado, me parecem simultâneamente surreais e hiper-reais. E em torno de mim dançam, como se me encontrasse no centro de uma macabra actuação da Sagração da Primavera.
Quando milagrosamente adormeço, nunca durante mais de umas horas, sonho. Sonhos estranhos e perturbantes que não consigo explicar. Eternas perseguições por ruas simultâneamente familiares e desconhecidas. Momentos de terror irracional que me afligem momentos antes de acordar.
E assim entre sonhos e divagações tenho passados os meus dias, neste quarto claustrofóbico.
Minto.
Também os tenho passado a pensar nela.
Tento em seguida lembrar-me do momento em que primeiro a vi. Uma memória quase fotográfica. Mas aparentemente todas as memórias mentem e com o tempo transformam-se em fantasmas cada vez mais vagos.
Estou a enlouquecer. Tenho que sair daqui.
Tenho que voltar ao Bristol.
Hoje almocei com a Marta.
Cheguei cedo, mas ela tinha-se adiantado. Insistiu para que nos sentarmos numa mesa no canto do restaurante e pareceu-me tensa nervosa em todos os movimentos. Ao fim de uns minutos de conversa percebi que a revolta de Fevereiro, e a prisão dos nossos amigos, a tinham arrasado.
Quando falamos do meu livro implorou-me para que não o continuasse a escrever. Disse que não era tempo de se escrever sobre conspirações, revolucionários e revoluções. Nos olhos e na voz dela vi medo, um medo difuso que noto cada vez mais nos habitantes desta cidade. Nas conversas de café ouvem-se, sussurradas, histórias de denúncias e prisões. Sobre as ruas ensolaradas desta cidade paira uma sombra de indefinição.
Mas eu não me meto em políticas. Foi isso que disse à Marta e pusemos de lado esse assunto. Após alguns minutos, em que comemos em silêncio, perguntou-me inesperadamente se não havia demasiadas semelhanças entre mim e a personagem que criara mas quando, após alguns segundos de estupefacção, me preparava para responder notei que ela se voltara a concentrar-se na comida. Não esperava resposta.
Despedimo-nos à saída do restaurante. Fiquei uns momentos parado, enquanto a via correr atrás do eléctrico que se preparava para partir. Mas ao entrar, Marta olhou para trás tristemente, como se temesse não me voltar a ver.
J.F.
Segunda-feira, 21.30h
Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo VII
Há três noites que não vou ao Bristol.
Curioso como é tão fácil habituarmo-nos a uma rotina, e quão difícil é livrarmo-nos dela. Sem poder ir ao Bristol não sei o que fazer das minhas noites. Nem dos dias, para dizer verdade.
Desde o fim-de-semana que me encontro num estado febril de inacção absoluta. As paredes deste pequeno quarto alugado parecem aumentar e diminuir obedecendo a uma cadência rítmica incógnita. As sombras alongam-se e tomam formas bizarras que, no meu estado alterado, me parecem simultâneamente surreais e hiper-reais. E em torno de mim dançam, como se me encontrasse no centro de uma macabra actuação da Sagração da Primavera.
Quando milagrosamente adormeço, nunca durante mais de umas horas, sonho. Sonhos estranhos e perturbantes que não consigo explicar. Eternas perseguições por ruas simultâneamente familiares e desconhecidas. Momentos de terror irracional que me afligem momentos antes de acordar.
E assim entre sonhos e divagações tenho passados os meus dias, neste quarto claustrofóbico.
Minto.
Também os tenho passado a pensar nela.
Tento em seguida lembrar-me do momento em que primeiro a vi. Uma memória quase fotográfica. Mas aparentemente todas as memórias mentem e com o tempo transformam-se em fantasmas cada vez mais vagos.
Estou a enlouquecer. Tenho que sair daqui.
Tenho que voltar ao Bristol.
Relatado por Joszef
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