sexta-feira, 8 de maio de 2009

Miguel hesitou antes de entrar. O Bristol. O Bristol.

Aquele era um lugar a que ele vinha ficando cada vez mais avesso. A música, o álcool, a coca… Não, não era lugar para ele. Cada vez lhe pareciam mais distantes… O Bristol, o Maxim’s, o Club dos Patos.

Mas Tomás insistira. Tomás. Era por Tomás que Miguel esperava nas salas luxuosas do club. Ainda era cedo, não andava por ali muita gente. Viu uma rapariga em trajes diminutos – outra chamou-a depois por Bárbara – que se ria de algo que um jovem macho lhe dizia. Para Miguel, aquilo já não era nada.

E Tomás? Tomás que, como não poderia ter deixado de ser (ou poderia?), se afastara de Miguel. Esse Tomás que há um ano atrás fizera furor com aquele manuscrito que trazia debaixo do braço. Desaparecido e regressado, o seu romance fora um sucesso. De repente, toda a gente andava a lê-lo. Os teatros de Lisboa tinham até decidido montar novamente as peças dele: A Rosa do Norte, Tragédias de um Burguês e outra cujo nome Miguel não se lembrava. Na primeira reaparição no Bristol, naquela mesma sala, fora ovacionado pelos noctívagos. Depois de uns meses em Itália, Tomás era o herói da capital.

Mas Miguel percebera. Tudo. Reconheceu cada uma das personagens do romance. Sabia que ele era Jerónimo, figura literária que se podia resumir a parvo. Sabia também quem eram Constança, Laura, Marcelo e todos os outros que se passeavam por aquelas páginas.

A trama era quase confusa – todos gostavam de todos – e os cenários estavam ali, eram o Bristol, o Maxim’s. Uma vaga reflexão decadentista tinha o seu lugar nas últimas páginas, o que fizera com que Tomás de Albuquerque fosse louvado como o bardo de um Portugal a refazer, de uma procura dos cálidos sentimentos bucólicos genuinamente portuguesa. Outros viram nele a expressão última do mundo actual, a sublimação do espírito da década.

Mas para Miguel, aquilo não passava de algo muito real: a vida dele próprio e dos seus conhecidos impressa e encadernada.

E agora estava ali, já quase arrependido de o ter procurado, à espera de Tomás. Leonor tinha-lhe voltado a fugir. E da última vez que isso acontecera, tinha sido com Tomás.

Relatado por Jules

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