domingo, 31 de maio de 2009

Quase um mês passara desde o encontro com Miguel. E ei-lo de novo ali, no Bristol. Quase um mês passara desde o encontro com Miguel e há quase um mês que a lembrança de Leonor o vinha revisitando. Leonor. Essa adorável divorciada de um visconde que comprara o título.
Na véspera de partir para Itália, a promessa tinha sido a de a avisar mal voltasse. De facto um qualquer jornal disso se encarregara. E tinham-se encontrado. Como prometido. O entusiasmo das notícias por partilhar tinha adiado o desconforto. Irremediavelmente foram-se afastando. Até porque havia Miguel, até porque havia Maria Teresa.
Fora com alguma surpresa que recebera o telefonema de Miguel para se encontrarem no club há quase um mês. Surpresa maior fora saber a causa: Leonor.
Leonor, com quem Tomás fugira – no sentido literal do termo – para Paris. Assim, de repente, naquele final de Outono de 1925, no dia em que os jornais anunciavam a demissão de Teixeira Gomes.
Imbuídos de uma destruição cega e inconsciente, tinham fugido. Miguel da fuga soube por Carolina, a irmã de Tomás a quem este enviara uma carta.
E os dias de Paris… Tomás, sentado na poltrona, fechou por momentos os olhos, ouvindo a música da orquestra, relembrando um pedaço de Rue de Rivoli. Depois, apenas o fim, o regresso sem conversa.
E Leonor a voltar para Miguel, que a perdoava. E Tomás a decidir-se por Itália. E Maria Teresa a procurar Tomás antes da partida.
E Maria Teresa que agora estava em casa, enquanto Tomás se encontrava no Bristol, há quase um mês relembrando a viscondessa de Lima Campos.


Relatado por Jules

sábado, 30 de maio de 2009

Bristol Club. 30 de Maio 1927.

O circo vem amanha à cidade. Não se vai instalar muito longe daqui, o que é bom. Devo passar por lá. Convidarei o Senhor Afonso, a mulher, e os trabalhadores do club no geral. A Barbara, a Raquel, a banda, os empregados, as garotas. Vamos ser um grupo enorme, e vamos causar estupefacção com o nosso brilho. Vamos dar mais nas vistas que os Leões selvagens que trouxeram das colónias.
Acho estimulante fomentarmos este sentimento de união e amizade. É um prazer trabalharmos com as pessoas que mais nos ajudam e as quais temos o deleite de ajudar. Saberemos todos a vida uns dos outros e seremos mais honestos. Seremos uma família. O tal sentimento de união que nunca conheci.
Oh... O menino Francisco foi apanhado. Não houve nada que pudesse fazer.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Bristol Club. 18 de Maio 1927

Tudo acalmou. Depois de todas as chatices, o Rui começou a deixar de aparecer, assim como a chuva e assim como os clientes. Duvido que o Afonso precise de ficar até mais tarde com a clientela que temos. A música da banda ficou mais calma. As raparigas dançam menos e mais suavemente. Os clientes vão dançando cabisbaixos. Como se uma grande desgraça abatesse sobre o club. Estarão todos a esconder-me alguma coisa que não sei?
Ando nas nuvens e não sei porquê. Até a senhora da limpeza me perguntou se estava bisonha. Disse que não, independentemente do que seja. Ela não terá mais ninguém com que se preocupar? Começo a sentir um carinho caloroso da parte dela. Como se fosse... Oh não me quero lembrar dela.
No entanto, acho que o vi passar na rua no outro dia. Seria?

terça-feira, 12 de maio de 2009

Bristol Club. 13 de Maio 1927

Ohh aquela noite. O sujeito foi-se embora ao raiar da aurora, tinha um transporte para apanhar. Senti o bar ficar vazio à medida que amanhecia, assim como eu senti nada restar dentro de mim. Ficámos a noite toda a falar e a trocar aqueles olhares, que só quem os troca consegue sentir. Não me lembro de clientes, do senhor Afonso, das raparigas, da banda que tocava doce musica, ou sequer da chuva que batia com toda a força. Estava anestesiada com o sabor envolvente do álcool e das palavras. E que palavras. Muitas delas nunca as tinha ouvido na vida. Como se estivessem guardadas para eu as ouvir num momento especial. Foram palavras efémeras, e desvaneceram quando ele abandonou o club.
A verdade é que com todo este borbulhar de emoções, senti a necessidade de ser amada, na totalidade. De necessitarem de mim. De acalmar uma dor que só eu posso causar. O Rui apareceu. Aquela figura de desesperado despertou em mim memórias e saudades que não pensei ter. E aconteceu. Sim, aconteceu. Tinha esclarecido, no entanto, que seria apenas fruto do meu desejo esporádico e que não significaria que voltasse para ele. Ele concordou mas nos dias seguintes ele foi aparecendo.
Espaço, preciso de espaço. Não suporto a pressão.
Deixei o senhor Afonso sair mais cedo. Penso que preciso de lhe contratar um ajudante.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Bristol Club. 11 de Maio 1927

Apercebo-me à medida que tomo cada vez mais contacto com os clientes, que o ser humano é uma coisa que me transcende. Cada pessoa tão complexa e única e ao mesmo tempo tão igual e padronizada como o resto. É a isso que se chama sociedade?

Já é tarde e confesso que me sinto um pouco fora de mim devido às bebidas que foram oferecidas por um sujeito. Ele próprio único, complexo... tão igual aos demais. Mas há qualquer coisa... Transcende-me.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Miguel hesitou antes de entrar. O Bristol. O Bristol.

Aquele era um lugar a que ele vinha ficando cada vez mais avesso. A música, o álcool, a coca… Não, não era lugar para ele. Cada vez lhe pareciam mais distantes… O Bristol, o Maxim’s, o Club dos Patos.

Mas Tomás insistira. Tomás. Era por Tomás que Miguel esperava nas salas luxuosas do club. Ainda era cedo, não andava por ali muita gente. Viu uma rapariga em trajes diminutos – outra chamou-a depois por Bárbara – que se ria de algo que um jovem macho lhe dizia. Para Miguel, aquilo já não era nada.

E Tomás? Tomás que, como não poderia ter deixado de ser (ou poderia?), se afastara de Miguel. Esse Tomás que há um ano atrás fizera furor com aquele manuscrito que trazia debaixo do braço. Desaparecido e regressado, o seu romance fora um sucesso. De repente, toda a gente andava a lê-lo. Os teatros de Lisboa tinham até decidido montar novamente as peças dele: A Rosa do Norte, Tragédias de um Burguês e outra cujo nome Miguel não se lembrava. Na primeira reaparição no Bristol, naquela mesma sala, fora ovacionado pelos noctívagos. Depois de uns meses em Itália, Tomás era o herói da capital.

Mas Miguel percebera. Tudo. Reconheceu cada uma das personagens do romance. Sabia que ele era Jerónimo, figura literária que se podia resumir a parvo. Sabia também quem eram Constança, Laura, Marcelo e todos os outros que se passeavam por aquelas páginas.

A trama era quase confusa – todos gostavam de todos – e os cenários estavam ali, eram o Bristol, o Maxim’s. Uma vaga reflexão decadentista tinha o seu lugar nas últimas páginas, o que fizera com que Tomás de Albuquerque fosse louvado como o bardo de um Portugal a refazer, de uma procura dos cálidos sentimentos bucólicos genuinamente portuguesa. Outros viram nele a expressão última do mundo actual, a sublimação do espírito da década.

Mas para Miguel, aquilo não passava de algo muito real: a vida dele próprio e dos seus conhecidos impressa e encadernada.

E agora estava ali, já quase arrependido de o ter procurado, à espera de Tomás. Leonor tinha-lhe voltado a fugir. E da última vez que isso acontecera, tinha sido com Tomás.

Relatado por Jules

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Bristol Club. 5 de Maio 1927

O Bristol Club começa a ter freguesia. Os que passam por cá, ficam apaixonados; os que não passam... Quem se importa com eles? Provavelmente nem as mulheres deles. Andam perdidos por ruelas a cambalearem com a bebedeira, sentindo pena deles próprios.
Por falar em bêbados, quanto a Sir Gainsworth, levei-o à Micaela para ela o animar. Pelo menos aumentou-lhe o ego e pareceu-me muito melhor. É a segunda noite seguida que não tresanda ao álcool barato e apenas sai daqui embriagado de tantas emoções.
Adelaide, a mulher do Afonso pediu para me falar em particular. O assunto era sério e desloquei-me à salinha das traseiras com ela cabisbaixa seguindo os meus passos. É uma senhora muito educada, conservadora q.b. com um vestido, abaixo dos joelhos, com poucos adornos. "O meu Afonso tem aparecido em casa, sabe... hum... tarde. Sinto falta dele, e com ele tão ocupado... poderia, como dizer... talvez deixa-lo sair mais cedo, se fosse possível, claro. Só às vezes! Para tê-lo em casa...". Vi o quanto lhe estava a custar ter aquela conversa e vi as palavras que lhe soavam na cabeça ensurdecendo-a constantemente: Uma mulher, a pedir a presença do marido; onde já se viu; que vergonha. Como eu a compreendia.
O quanto queria eu ter a presença do Rui quando ele passava noites em casas alheias.