Bristol Club. 26 Dezembro 1927
Não dormi naquela noite.
Além da chuva que batia sem cessar, algo me tinha perturbado.
Acompanhei o senhor até à porta do Bristol para ele se ir embora, pois não parecia ter grande vontade de sair. O pianista arrumava as suas partituras na mala castanha e abstraiu-se da cena.
-O meu nome é Miguel...
Não queria mesmo saber. Enquanto se aproximava da escadaria para a saída, parecia relutante em subir. Abrandou o passo e num acto de coragem parou no foyer. Não estava para ficar à espera do que ia sair daquela cabeça de cabelo desalinhado. Disse boa noite mas não houve reacção. Abri a porta na tentativa que o frio da rua o despertasse ou que pelo menos entendesse a mensagem para se ir embora. A reacção foi a mesma. Imóvel a olhar para o nada, com um nervosismo visível nas mãos que tremiam.
Subitamente deve ter tomado conta do tempo que estava a ocupar. Num momento acordou, olhou para mim e no seu olhar vi uma força e determinação capaz até de derrubar a autoridade.
Não pude admirar os olhos dele durante muito tempo. A força que os seus braços faziam puxavam-me contra ele e depressa os olhos dele se fecharam.
Porque é que não consegui dormir nessa noite?
(Escusado será dizer que fui a dormir no caminho para Lamego. Foi um bonito Natal.)
Sem comentários:
Enviar um comentário