terça-feira, 25 de maio de 2010

Bristol Club. 25 Maio 1928

"Bam!"
Ia no outro dia pela calçada do Chiado quando ouvi alguém a gritar. Ao ir de encontro a essa voz ouço passos, que se transformaram em corrida. Corro também e vejo o Sr. Gustavo no chão junto de uma poça de sangue. Era noite e não vi ninguém por perto que me pudesse ajudar. Tentei parar o sangue que escorria das costas enquanto gritava auxílio.
Ninguém apareceu e desisti com o ultimo sopro do Sr. Gustavo.
Nunca chegarei a saber que passos foram aqueles que ouvi. Permanecerá uma incógnita e para sempre me questionarei se o podia salvar se tivesse corrido mais cedo.
Foi naquela rua paralela e escura que tentei salvar alguém.
Sem sucesso.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Bristol Club. 11 de Maio 1928.

No outro dia a senhora Silva perguntou-me se tinha gostado da Ópera. Não posso dizer que tenha gostado porque nunca gostei de muito aparato nem de grandes dramas (e se era aparatoso, e dramático). No entanto disse-lhe que sim.
Foi aí que ela me disse que o senhor Gustavo encenou toda a cena, para mostrar à menina Beatriz do bairro que o seu affair com o menino Francisco estava a ir longe demais.
Pobre rapariga - pensei.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Bristol Club. 3 Maio 1928

Decidi ir à ópera. Uma produção do bairro por certo, mas também não sou aristocrata para ir ao S. Carlos.
Já nem me lembro do nome da peça. Triângulos emaranhados uns nos outros e não era certamente peça para alguma criança ou pároco verem. Aliás, houve razão para ter sido encenada no atelier do senhor Gustavo. No final todos gostaram e pediam mais, excepto uma senhora que não conhecia, que saiu de rompante da sala, no auge da cena principal.
Foi uma grande ópera com um grande enredo.

terça-feira, 6 de abril de 2010

“Un frisson doux…”

Sim, eles tinham assistido à opereta de Maurice Yvain durante a fuga parisiense. Duas vezes. Oh, oui, folle de lui.
Tinham-se visto dias atrás, quando Leonor o recebera na sua saleta preferida, a de paredes apaineladas de madeira e de lareirinha discreta. Chovia, claro, e tinham ficado os dois estendidos nos sofás a falar… Ela dissera que tinha saudades, que pensava em Miguel. Ele tentou não se rir.
Ele agora ali estava, sentado na sua poltrona, olhando a rua que com a Primavera tímida deixara de estar molhada, as suas costas ignorando a música.
No bolso encontrou uma carta velha que a irmã lhe escrevera em Agosto e na qual ela pintava em tons amarelos e apetitosos a cidade de Aix-en-Provence no período estival. Fora naquela sala em Agosto que ele a relera, quando as varandas estavam abertas sobre a noite quente e uma morna indolência escorria das paredes. Agosto.
Pensou na irmã Carolina e em Pedro, naquela felicidade praticamente irritante. E Pedro que se mexia tão bem que, mesmo médico, pouco faltava para ser ministro. (Os textos que escrevera por altura da morte de João Belo, o ministro das Colónias, em Janeiro tinham sido de uma dor assustadora, assim como o lugar que decidira tomar nas cerimónias fúnebres. Para não falar na cor da gravata.)
Desde Agosto nada avançara, ele próprio. Nada de novos projectos, nada de novas peças.
Irritou-se ao recordar a sala grená de Leonor, pensando porque não acabava aquilo tudo de uma vez por todas, tudo o que o entourage tinha de mais ridículo.
“Un frisson doux” era o único verso que retivera da opereta e isso não lhe servia de grande consolo.

Relatado por Jules

domingo, 4 de abril de 2010

Bristol Club. 4 Abril 1928

... as cerejeiras já estão em flor e o céu começa a mostrar mais tons de azul.
Espero que te corram bem os negócios com o tal senhor Silva. Escreve-me novidades na volta do correio. Prometo que mando mais cartas.

Até breve.


A imagem de uma praia da costa vicentina tinha o objectivo de criar uma certa inveja. Combater o paraíso brasileiro e trazer lembranças ao destinatário. O verso do postal tinha uma letra que se foi comprimindo, linha após linha para caber tudo, e mal tem espaço para os selos.
A Catarina terá o filho em breve, por certo não será o ambiente mais adequado para o crescimento da criança. Terei de contratar alguém novo eventualmente. Ainda por cima, com o noivado do menino Francisco com a filha do governador de Moçambique, há festa todas as semanas. Umas mais privadas que outras, mas mesmo assim, a ajuda do Luís tem sido indispensável.

domingo, 21 de março de 2010

Bristol Club. 21 de Março 1928

Não tenho nada a dizer.
Começou a Primavera e gosto da chuva depois de um dia de sol.

Apetece-me dizer isso ao Miguel. Embora me mande cartas com menos frequência, continua a descrever-me imagens de flores e animais coloridos, trazendo por vezes desenhos em anexo.
Por outro lado, vou deixar-me estar. Sorrio com carinho para as cores e volto a servir um cálice de Porto às personagens cinzentas.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Bristol Club. 28 Fevereiro 1928

E os dias passam. Nada muda. Nada mudou.
Os grandes de Lisboa continuam a beber. As senhoras continuam a falar.
A polícia continua a tirar notas e a prender pessoas. Os miúdos continuam a brincar. O pianista continua a tocar e a inventar letras, que nunca poderão sair da sua cabeça.
O Miguel continua a enviar cartas do Brasil e ainda não decidi se escrevo de volta.

A única coisa que mudou foi a barriga da Catarina que está cada vez maior.
Dentro de mim também cresce uma angústia que não sei de onde vem.