segunda-feira, 27 de julho de 2009

Bristol Club. 27 de Julho 1927

Há uns dias uma colega do liceu mandou-me uma carta dizendo que precisava de falar comigo, combinando o ponto de encontro num café do Rossio na tarde do dia seguinte. Encontrei-a e fui cumprimenta-la, ao lado estava um homem novo de cabelo castanho e de olhos cansados. Este é o Luís. Estamos casados há dois anos. Bem, seria de esperar, ela sempre foi namoradeira.
Conheceram-se no Porto quando ela foi trabalhar para um caseiro em Gaia. Na altura ele estava no Regimento de Caçadores 9 a prestar serviço militar.
-Mas esse não foi aquele regimento que...
Os olhares cruzados que depois se desviaram para o chão disseram tudo por isso calei-me. Eu estava certa, foi aquele o regimento que participou naquela revolta que houve em Fevereiro no Porto. Luís conseguiu escapar vivo à revolta apenas com um ferimentos ligeiros, mas a sua vida tinha começado a ser ameaçada com as perseguições, que alguns dos seus camaradas já haviam sofrido.
A fuga do Porto trouxe-os até Lisboa. Na minha opinião não será o sitio mais acertado para se refugiarem uma vez que é a sede do governo e as ruas estão minadas de polícias, eles acham que devem manter os "inimigos" perto.
Finalmente tenho um novo barman.

sábado, 25 de julho de 2009

Terça-feira, 20h00

Ainda não consegui falar com Marta.
Parece que um qualquer destino me impede de saber o que motivou aquele olhar perturbado. No dia da reunião ela desapareceu inesperadamente. Seguiram-se apenas encontros fugazes, mas algo de estranho se passa. Consigo pressentir o desconforto…mas a que se deve?

J.F.


Quinta-feira, 03h30

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo V

Se há uns dias era a falta de notícias que me atormentava agora constatar é o excesso delas. Porque não as consigo assimilar, ordenar, compreender. Nas últimas horas parece que o tempo acelerou, os acontecimentos sucederam-se perante a minha falta de reacção. Só agora, com um copo de whisky à minha frente e um cigarro na mão, começo a raciocinar.

Mais uma noite no Bristol, como as anteriores. Estava encostado ao balcão, absorto na ausência de pensamentos até me ter apercebido de uma agitada troca de palavras:

- …reunião…no Bristol. Ela disse que era seguro.
- Já te disse que não. Não podemos comprometer o Bristol.

Durante esta conversa mantive a cabeça baixa e o olhar fixo no copo vazio à minha frente. Por isso apenas vi de relance o vulto que se afastava do barman batia com a porta. Poucos segundos depois, esse vulto reentrou a correr, com o pânico espelhado no rosto. Em perseguição vinham dois homens, de gabardine e chapéu cerrado sobre os olhos, que o empurraram contra o balcão. Num ápice todos nos levantamos, confusos. Na porta apareceu um terceiro homem, vestido como os restantes. Mostrando um crachá, anunciou laconicamente tratar-se de uma operação policial. O fugitivo estava a monte desde Fevereiro. Lentamente a ordem voltou a instalar-se, enquanto os dois homens escoltavam o suspeito até à rua. O chefe no entanto ficou para trás.

- Meus senhores, só uma questão. São clientes habituais? Óptimo. Talvez me possam informar acerca de uma mulher. Alta, morena, olhos verdes…Ninguém? Bem, caso se lembrem de algo, há uma recompensa. Boa noite.
Relatado por Joszef

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Sexta-feira, 23:50h

Porquê aquele olhar?
Por uma noite deixei o Bristol. Encontrava-me reunido com pequeno clube literário a que pertencia até à sua dissolução no ano passado. Quando nos encontramos pela primeira vez éramos apenas um grupo de jovens com pretensões a escritores, inspirados pelas revistas literárias em voga. Alguns, como o Tomás, tinham alcançado sucesso, outros, como eu, limitavam-se a escrever para não morrer.
Foi estranho rever as caras que conheci e estão agora tão diferentes. Passou um ano, mas podia ter passado um século. Foi a ausência que mais notei. O Pedro e a Maria, presos em Fevereiro. Miguel, que fugira para França.
Li os primeiros capítulos do meu livro. Ao contrário do que esperava, fui elogiado. Todos pareciam ter gostado, exceptuando…
Exceptuando Marta. Quando acabei de ler o último capitulo e olhei os rostos sorridentes dos meus amigos, notei o olhar perturbado de Marta. O que a fizera ficar assim?

J.F.


Domingo, 14h00

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo IV

Desaparecida.
Toda a felicidade de a ver perto de mim se esbateu na semana seguinte. Dia após dia, esperei por ela no mesmo lugar. Não a voltei a ver.
À medida que os dias se seguiam e a espera continuava fui perdendo todas as cautelas. Interroguei os meus companheiros, clientes fiéis do Bristol, mas ninguém sabia nada de concreto.
Rumores, apenas rumores. De ligações políticas perigosas, de clandestinidade e oposição. Que desaparecera algures para o interior do país.
Rumores, nada mais do que isso.
Relatado por Joszef

domingo, 19 de julho de 2009

Bristol Club. 19 Julho 1927

Várias pessoas me perguntavam porque é que acabei com o Rui. Agora já ninguém fala nisso e até parece que ele está com outra rapariga que mora em Alcântara. A senhora da limpeza, sem qualquer discrição, até disse que era bastante “apetecível” para os homens. Apetecível? Qual é o sentido dessa palavra?
Não tardei a descobrir quando desceram os dois as escadas do Bristol de braço dado e bastante cúmplices, trocando palavras secretas e gestos específicos. Trazia um vestido de franjas e um colar de pérolas até à cintura notavelmente elegante. Ao depararem-se comigo calaram-se os dois, ficando apenas um sorriso simpático e cordial.
Como tens passado? Oh, que cabeça a minha, esta é a Bianca. Estamos noivos.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Bristol Club. 15 Julho 1927

À medida que tento procurar um novo barman para o club, aumenta o meu confronto com uma questão que sempre me acompanhou mas que nunca tinha reparado nela. Confiança.
Confiar em alguém é para mim uma tarefa difícil. Chamem-lhe o que quiserem. Traumas. Defesas pessoais. Personalidade. Não interessa, nem importa. A verdade é que, após a partida do Afonso, não consigo imaginar ninguém para ocupar o seu lugar. Já o conhecia, já confiava nele e sabia que não faria nada que fosse contra os meus desejos.
Em quem confiarei a co-gestão do bar. Não posso saber se o perfeito desconhecido que vou contratar me vai agradar ou não. Nem o Rui me causou tantos problemas de confiança. Pelo menos nos primeiros tempos.

domingo, 12 de julho de 2009

Segunda-feira, 22:50h


Deixei de beber. Faço este anúncio como quem anuncia algo de importante e monumental, quando na verdade apenas passaram dois dias desde que bebi o último copo de whisky. De facto é algo de totalmente irrelevante. Não o fiz por razões morais, muito menos por preocupações de saúde. Pura e simplesmente descobri que sem o álcool o meu vício era outro: escrever. E assim consegui retomar aquela personagem perdida e a sua história de amor inexistente.
Não avancei muito, mas já foi qualquer coisa….

J.F.

Quinta-feira, 00:42h

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo III

Eu disse que não conseguia esquecer!
Escrevo febrilmente estas linhas num guardanapo enquanto retomo na minha mente o filme desta noite.
Parecia só mais uma noite no Bristol, igual a todas as que se tem seguido ininterruptamente nas últimas três semanas. Até que…terá sido uma miragem? Parecia que o mundo estava a girar mais lentamente, enquanto ELA se sentava, na outra ponta do balcão. Sim, era mesmo ela. Os mesmos olhos verdes que nunca irei esquecer.
Estava sentada ao balcão, a beber um Martini e a fumar um daqueles longos cigarros de senhora. O vestido era vermelho, mas um vermelho sóbrio e quase frio.
Fiquei a olhá-la esquecido de tudo. Não sei quanto tempo passara mas ela levantou-se, calmamente. Enquanto se levantava pude vislumbrar, por baixo do vestido, uma combinação preta…
Fechei os olhos, pedi outro whisky. Duplo, talvez. Quando voltei a olhar ela já desaparecera, como num sonho.
Relatado por Joszef

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Bristol Club, 11 Julho 1927

Apetece-me ausentar durante uns dias. Fugir de tudo e encontrar refugio.
Quero rebuçados da Régua apanhar a locomotiva e percorrer a linha do Douro.

As memórias desses tempos...

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Bristol Club. 9 Julho 1927

Ouvi chorar e tive de deixar o bar para ver o que se passava. A noite estava quase no fim e a banda cansada de tocar. Ao chegar à entrada apenas ouvia um soluçar que não parecia ter fim. Procurei na escuridão e lá estava ela, uma menina pequena, pouco mais de 8 anos. Dizia entre lágrimas que não sabia o caminho para casa, tinha saído com o pai do club mas distraiu-se no caminho.
Oh o que fazer? Nem eu sei o meu caminho quanto mais o dela.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Sexta-feira, 23:30h

Mais outra noite a beber no Bristol.
Escrever…tenho que voltar a escrever.

J.F.

Sábado, 02:14h

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo II

Já passaram duas semanas depois daquele encontro fatal.
Desde que a rapariga dos olhos verdes me disse aquelas quatro palavras que não tenho feito outra coisa senão beber. Os dias seguiram-se uns aos outros, numa névoa permanente. Mergulhei numa garrafa de whisky e só agora estou a sair dela, semi-afogado.
Bebi para esquecer e, apesar de tudo, não consigo deixar de lembrar...


Relatado por Joszef

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Bristol Club. 4 Julho 1927

Azul, a manhã estava azul...
A noite passou tranquila para todos, excepto para o Afonso que com o medo, não saiu mais do gabinete... E obviamente para mim... Para alem de ter ficado a noite inteira a servir ao balcão, tive bilhetes de primeira fila para assistir à vida daquela família ao vivo. Crianças a sorrir, como me alegram... Comemora-se o dia da Independência na América.
A Dona Adelaide, mais calma, voltou ao club dirigindo-se ao gabinete. Copos partiram e gritos soaram no final da noite. Houve choro e chegaram à conclusão que não era necessário derramar sangue. Saíram de mãos dadas, ela olhou-me. Sabia o que o olhar dela me dizia.
Definitivamente, tenho de arranjar um novo empregado.