segunda-feira, 21 de setembro de 2009

- O fox-trot!
Palavras mágicas. No momento seguinte estava toda a gente no meio da sala, movendo-se frenética ao som da orquestra.
Leonor fizera a sua entrada nos salões vestida de cetim verde apenas alguns instantes atrás e a balbúrdia do fox deixou-a muito bem-disposta, como se a dança fosse destinada a recebê-la.
E ela que bem precisava. O Verão com o advogado terminara. Sim, um advogado, outro. Havia qualquer coisa na retórica daqueles homens, devia ser isso. (Poupemo-nos entretanto a descrições físicas, aí veríamos uma verdadeira divagação – provavelmente saudosista – por parte da viscondessa.)
De qualquer modo, o último advogado já era e não se podia permitir a ficar em grandes melancolias, reclusa no seu palacete do Campo Grande.
Por isso, ei-la, a viscondessa de Lima Campos, perdendo-se em fresquíssimo gáudio nos salões e óleos do Bristol. Estava sozinha e percebeu que alguns falavam dela. (Convenhamos que três casamentos civis, para a Lisboa da época, era um número considerável.)
- O one step!
Nova euforia na sala. Oh, alguém abra uma garrafa de champanhe com ruído, por favor! É o toque que falta ao momento, sem dúvida. Leonor sorria. E que fazer, senão sorrir perante tal encantador espectáculo?
- Senhora Viscondessa?
Leonor olhou na direcção da voz. Era um desconhecido que lhe dava o braço. E porque não? Sorriu, dançou com ele. Era mesmo o que ela precisava. Riu-se enquanto dançava, trocava olhares com o seu parceiro. Riu-se.
Sejamos francos. Não, não era necessária qualquer retórica.

Relatado por Jules

domingo, 20 de setembro de 2009

Quinta-feira, 16h

Quem sou eu esta noite? Fatalista? Materialista? Idealista? Cínico e céptico ou crente e reverente? Não sei.
E por não o saber, nunca o que escrevo significará nada para ninguém. Nenhuma mensagem. Nenhum objectivo. Nunca terei a arte de escrever um grande livro. Nem sequer um pequeno. Nunca serei poeta nem trovador.

Por isso reduzo-me a coleccionar fragmentos, pensamentos que foram meus há uns segundos atrás e que pouco depois nada me dizem. Espelhos quebrados que em nada me reflectem.
Mas um homem tem que viver de alguma coisa. Apenas peço o dinheiro para poder continuar a beber e a sonhar nas noites longas do Bristol. Por isso vendo os meus contos a amigos que acabo de conhecer, companheiros de bebida neste clube.
Amigos dos 10 escudos, amigos dos 20 escudos, com sorte por vezes amigos de 50 escudos. Assim vou sustentando o sonho e o whisky.
Não preciso de mais nada.


J.F.


Quarta-feira, 22h35

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo VIII

Vermelho e negro.
(Não, não é um romance nem uma mesa de roleta)
Velocidade e força contra agilidade e inteligência.
Um rumor surdo que se transforma num ruído ensurdecedor. Ofegante. O chão treme e a terra embebe-se de sangue.

Inicio da noite na praça de touros do campo pequeno.
Motivo: encontrar-me com os meus novos, e até agora desconhecidos, camaradas de luta. (Luta? Qual luta? Nem eu sei.)

Na verdade nunca fui grande aficionado da festa brava. Sortes, derrotes, estoques e apoderados… o simples facto de esta gente utilizar esta expressões com a arrogância de um iniciado que sabe algo mais do que os simples mortais sempre me irritou. E apesar disto, aqui estou.

(Uma noite de festa no Bristol. Algumas palavras trocadas com Luís, o barman. E assim estava marcado um encontro que poderia garantir a minha entrada na Organização. Finalmente um caminho que me levava para junto dela. Foi mais fácil do que esperava.)

Vigio as bancadas febrilmente, expectante em ver surgir os meus contactos, temeroso de ser observado por algum polícia à paisana. Passado um tempo (que me pareceu ser várias horas, mas que pode bem não ter ultrapassado alguns minutos) noto que me fazem sinal de junto do túnel de acesso. Dirijo-me para lá. Uns segundos mais tarde as apresentações estão feitas, um carro espera-nos enquanto me dirijo para a saída. Uma brusca pancada na nuca. O tempo abranda enquanto caio e perco os sentidos. Sangue.

Enquanto isso, na arena, cavalo e cavaleiro dançam com o touro ao ritmo de paso doble.
Relatado por Joszef

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Bristol Club. 14 Setembro 1927.

O Rui já me tinha convidado para o casamento quando cá veio com a Bianca. E fiquei feliz, por saber que ele finalmente tinha seguido o seu rumo, sem mais conversas ou complicações. Mas no dia 11, na igreja de S. Pedro de Alcântara, alguma coisa me prendia ao seu olhar fixado em mim. Estava diferente, parecia uma criança perdida dos pais. Sentia-o nervoso, sem a sua majestosa confiança e morto por sair da frente do altar. Olhei para Bianca que estava nesse momento a entrar na nave principal, trazia um vestido de puro branco e flores de laranjeira no cabelo escuro. Quando procurei a reacção dele descobri que se encontrava no chão, sem sentidos. Naquela manhã de 11 de Setembro, na igreja de S. Pedro, não houve nenhum casamento.
Nessa noite, no Bristol, ele apareceu, com a tez pálida com o fato amarrotado. Pediu um gin ao Luís e procurou-me na sala. Fui em seu auxílio e disse-me que não aguentava mais. E entre o barulho das pessoas e a musica alegre...
Não te quero! Mas é-me impossível deixar-te.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Bristol Club. 8 Setembro 1927

Fizemos uma festa especial a noite passada. Contratei alguns músicos adicionais para a banda e pedi para as dançarinas montarem um novo espectáculo. Mudei a decoração com a ajuda da Catarina enquanto o Luís foi fazendo a reposição do bar.
Vieram pessoas de toda a Lisboa. O salão ficou cheio e o ambiente era de êxtase. O Luís não teve descanso no bar e tive de pedir à Catarina que me viesse ajudar a servir nas mesas do salão. Encontrei o Francisco que me pediu para o levar à Gertrudes, a nova rapariga que veio das Caldas.
Os clientes regulares mantiveram-se nos seus lugares habituais com o whisky de sempre. Não pude deixar de notar, no entanto, nos olhares que lançavam à sala, ou no pé que batia ao ritmo da música. Os clientes novos, esses fizeram promessas de voltar mais vezes.
Ver assim tanta gente tirar partido da festa à qual dediquei tanto esforço deleitou-me. É certo que já tinha dado mais festas antes, mas esta, é diferente. Fiz com que nesta noite estas pessoas esquecessem os seus problemas. Pelo menos a maioria das pessoas.
A meio da noite, comecei a ouvir vozes mais altas do que a musica, apercebi-me que estavam dois homens no bar quase à luta, estando o Luís desesperado por tentar acabar com a gritaria.
Ao que parece estavam a lutar por uma rapariga ruiva que estava sentada no fundo da sala.

domingo, 6 de setembro de 2009

Bristol Club. 6 de Setembro 1927

Há dias fui dar uma volta com o Luís e com a mulher dele, Catarina.
Passamos pelo castelo e o Tejo estava tão reluzente que decidimos ir os três provar a água. Fomos falando no caminho de algumas normas do Bristol que queria esclarecer com o Luís, uma vez que às tantas aparecem lá pessoas estranhas que fazem questão de falar com ele em privado. Falávamos normalmente apesar dele nos mandar calar quando aparecia alguém suspeito. Pusemos o assunto de parte quando eu e a Catarina começamos a relembrar episódios do liceu.
Ao chegar ao rio o Luís arregaçou as calças e foi molhar os pés com a Catarina.
Fiquei sentada na margem a observar esta cena. Ao que parece ela está à espera de um filho.
Ao longe vi um barquinho com um senhor já de idade que parecia estar com dificuldades em subir o rio. A corrente estava muito forte por isso ele deixou-se ir, deve ter decidido subir o rio noutro dia.