terça-feira, 6 de abril de 2010

“Un frisson doux…”

Sim, eles tinham assistido à opereta de Maurice Yvain durante a fuga parisiense. Duas vezes. Oh, oui, folle de lui.
Tinham-se visto dias atrás, quando Leonor o recebera na sua saleta preferida, a de paredes apaineladas de madeira e de lareirinha discreta. Chovia, claro, e tinham ficado os dois estendidos nos sofás a falar… Ela dissera que tinha saudades, que pensava em Miguel. Ele tentou não se rir.
Ele agora ali estava, sentado na sua poltrona, olhando a rua que com a Primavera tímida deixara de estar molhada, as suas costas ignorando a música.
No bolso encontrou uma carta velha que a irmã lhe escrevera em Agosto e na qual ela pintava em tons amarelos e apetitosos a cidade de Aix-en-Provence no período estival. Fora naquela sala em Agosto que ele a relera, quando as varandas estavam abertas sobre a noite quente e uma morna indolência escorria das paredes. Agosto.
Pensou na irmã Carolina e em Pedro, naquela felicidade praticamente irritante. E Pedro que se mexia tão bem que, mesmo médico, pouco faltava para ser ministro. (Os textos que escrevera por altura da morte de João Belo, o ministro das Colónias, em Janeiro tinham sido de uma dor assustadora, assim como o lugar que decidira tomar nas cerimónias fúnebres. Para não falar na cor da gravata.)
Desde Agosto nada avançara, ele próprio. Nada de novos projectos, nada de novas peças.
Irritou-se ao recordar a sala grená de Leonor, pensando porque não acabava aquilo tudo de uma vez por todas, tudo o que o entourage tinha de mais ridículo.
“Un frisson doux” era o único verso que retivera da opereta e isso não lhe servia de grande consolo.

Relatado por Jules

Sem comentários: