sábado, 30 de janeiro de 2010

Bristol Club. 30 Janeiro 1928

Estive há umas semanas a fazer um balanço das contas. Sentada no escritório, enquanto o Luís atendia os clientes, fui ordenando a papelada de um ano. Entre facturas e recibos estava uma fotografia minha que o Rui tinha tirado.
Estava um dia quente de verão e fomos passear os dois ao Estoril. Tinha comprado um vestido novo e queria ver como esvoaçava com a brisa do mar. Quando chegámos à praia o Rui encontrou um amigo que estava ao serviço de uma família Inglesa a passar lá férias. Era fotógrafo e pediu-lhe se não podia tirar-me uma fotografia. Foi um bocado aborrecido, tive de ficar quieta uma serie de tempo enquanto punham a conversa em dia. O resultado foi uma imagem a preto e branco, um bocado tremida devido ao movimento da roupa.
Voltámos para casa e na manhã seguinte tive de cozer os botões que tinham cedido à força na noite anterior.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Bristol Club. 20 Janeiro 1928

O Brasil é lindo. Estou hospedado numa casa de um conde qualquer que o meu tio conhece. É enorme e a luz do sol do Rio de Janeiro faz a fachada colonial branca luzir. Ias gostar da vista da janela do meu quarto. Está voltado para o mar, vêm-se as crianças locais a brincar na praia e de noite as candeias dos pescadores que vêm do mar. Enquadrado num céu azul tropical e floresta densa, com alguns terrenos ainda com pequenas plantações de café, parece-me quase o paraíso.

Beijos, Miguel.


Lisboa parece-me cada vez mais cinzenta, porém, hoje os primeiros raios de sol bateram no Tejo e na minha janela. Quando me levantei fui à padaria do senhor Joaquim, não gosto de lá ir mas a Dona Maria estava fechada. Tratou-me mal como sempre e deu-me o pão mais seco que tinha. Podia protestar mas reparei que havia um senhor que retirava um bloco de notas do bolso e alem disso não valia a pena. Burro velho não aprende línguas. Para a próxima acordo mais cedo e vou à Dona Maria.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Bristol Club. 16 de Janeiro 1928

E foi-se embora.
Pediu para se encontrar comigo ontem no miradouro da senhora do monte. Nunca mais estivemos juntos desde o inicio do ano, embora continuasse a aparecer no Bristol todas as noites, sorrindo-me quando via que estava a olhar para ele.
Disse que tinha de ir embora para o Brasil. Um tio ia começar um negócio de exportação de cacau e precisava de ajuda. Céus. Só de pensar que se está a justificar, não faz sentido.
Despediu-se com um abraço que demorou uma eternidade e um beijo na cara.
Nessa noite, foi a minha vez de pedir um whisky.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Sexta-feira, 22h36

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo XI

De volta às noites passadas no Bristol. Uma a seguir à outra perdem-se na névoa que me tolda a vista. Será do fumo do tabaco que me envolve? Será de este já ser o terceiro whisky?

No salão dança-se. Atrás do balcão Miss L observa. Um sorriso desenha-se nos lábios finos. Os olhos seguem com um brilho sereno os movimentos dos pares que dançam ao ritmo da milonga. Os seus olhos claros dançam também. É também neles que se fixa o meu olhar. Olho, mas não vejo. Perdido na revolta contra o profundo aborrecimento da vida.
No entanto, entre as raparigas que dançam uma prende-me a atenção. Alta, loura. Eslava, talvez russa. Observo-a, mas alguns segundos depois a sua imagem começa a esbater-se, substituída pela visão de um sorriso. Um sorriso que ganha progressivamente forma na minha mente. A forma da mulher cujo sorriso me prende.

-Belíssima, não é verdade?

Uma voz ao meu lado desperta-me e traz-me de volta ao Bristol. Um homem alto e seco com um bigode fino, vestindo um fato cinzento de corte impecável, dirige-me a palavra. Surpreendido apenas consigo acenar afirmativamente.

-É uma pena…um verdadeiro desperdício…, diz-me com um sorriso inquietante. Ao meu olhar interrogador responde, esclarecendo: Pena uma rapariga tão bela ser comunista. Amanhã à noite estará a dançar o tango na prisão…

Enquanto peço mais um whisky um carro acelera na rua. A russa saiu, acompanhada do homem do fato cinzento. Não voltará a dançar.
Relatado por Joszef

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Bristol Club. 6 Janeiro 1928

Chegou o ano novo. Passei o ano em casa. Queria passar sozinha mas o Miguel passou por lá. Não o convidei para ir lá a casa, mas ele apareceu. Na verdade ele queria que eu fosse com ele para Aveiro, a terra dele, para passar o ano. Certamente estaria louco. Não conhecia o homem de lado algum, seria ridículo ir com ele. Fiz a escolha acertada. No entanto ele apareceu e não sabia se queria que se fosse embora ou não. Convidei-o para entrar, porque não?
Estivemos a falar do Bristol sem no entanto referir aquela noite. Falou-me da vida que levava em Aveiro e o que estava a fazer em Lisboa. É um homem de negócios e decidiu deixar a sua terra, a noiva e a família que esperava que casasse rapidamente para receber o dote, pois ela era filha do juiz.
Tocava o relógio da sala a meia noite e ele levantou-se para se ir embora. Era realmente tarde, se uma vizinha o visse sair de minha casa iam ter conversa para uma semana.
Bom ano novo. Vê-mo-nos depois.