segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Bristol Club. 30 Novembro 1927.

Debruçada sobre o balcão com o queixo apoiado na mão, tento imaginar qual o tema de conversa de cada mesa. Já me tinham dito que era uma actividade interessante e estando o Luís a limpar copos, não tenho nada de melhor para fazer com a chuva imensa que cai. O piano começa a tocar lentamente.
Obviamente que o Francisco está a sussurrar ao ouvido da sua acompanhante coisas obscenas que ela parece estar a gostar. Na mesa ao lado estão dois pares de namorados que parecem estar a divertir-se... Pelo menos elas que estão a falar de forma ruidosa, sabe Deus sobre o quê, enquanto eles bebem mais um copo de Porto. Está o senhor Gonçalves na mesa do canto a fumar e mais uma vez a fazer desenhos no seu caderno. No fundo do salão está o grupinho de sempre que se costuma reunir para tratar de assuntos. Desses não quero saber o que estão a falar. O piano acelera o ritmo.
Ao percorrer a sala reparo que está o cavalheiro do cachimbo a olhar fixamente para mim. Levanto-me do balcão, componho a saia e vou ver se lá fora ainda chove. Deixo de ouvir o piano à medida que saio do salão.

domingo, 15 de novembro de 2009

Bristol Club. 15 Novembro 1927

Esta noite a casa esteve cheia. Senti a maior satisfação quando, ao saírem, ainda lançavam sorrisos e ainda tinham uma alegria excitada que podia durar até à noite seguinte. Depois de limparmos o salão e arrumarmos as cadeiras, decidi ir dar uma volta, mesmo com o vento, que fazia aquela madrugada cheirar a inverno.
Fui até ao miradouro de S. Pedro ver o nascer do sol. Vi que não estava sozinha, mas não me importei muito.
À medida que aquela bola quente se erguia no céu, e à medida que a minha face aquecia mais eu queria sentir o seu calor. Inatingível. Conformada, enrolei-me no casaco, disse bom dia aos que passaram por mim e fui para casa.

sábado, 7 de novembro de 2009

Quinta-feira, 6h30

Os olhos de quem se ama nunca se vêem, capitulo IX


Caminho sem direcção pelas ruas da cidade que acorda sonolenta.
Quando dou por mim encontro-me em S. Pedro de Alcântara. O sol ergue-se lentamente por detrás da silhueta escura do Castelo, enquanto uma velha, cuja roupa é tão escura como negra é a sua solidão, desce lentamente a rua da Glória…

-Porque quer lutar contra a ditadura?

-Porque quero lutar.

-Porque escreve?

-Porque me apetece escrever.

-Mas com certeza que escreve por ter algo para dizer…

-Não.

-Faça o favor de não me voltar a interromper. Quando um escritor escreve fá-lo por ter algo para dizer. Alguma mensagem ou opinião para dar.

-Como sabe vossa excelência que assim é? Conhece, por acaso, a alma de todos os que escreveram desde o inicio dos tempos? Conhece a minha alma?

-Seja. Nenhuma mensagem, nenhuma opinião, nada para dizer. Porque deseja então juntar-se à nossa luta?

-Porque o vosso caminho é o meu caminho, porque nessa luta busco um objectivo.

-Assume então que não luta por compromisso ideológico mas apenas por motivos pessoais? Sabe com certeza que não é o que esperamos dos nossos camaradas.

-Sei…

O sol nasce como todos os dias. Mas para mim, nesta manhã, tudo é diferente.

Relatado por Joszef