quinta-feira, 30 de abril de 2009

É fim do mês e a chuva voltou, interrompendo o ciclo de calor que já me fazia pensar em dias melhores.
É estranho como nos agarramos às coisas mais inúteis do mundo como ideias e sonhos, a planos que nunca cumprimos e caminhos com destino somente a becos sem saída. A amores que julgamos e queremos sempre que sejam os últimos para todo o sempre, apenas para percebermos, tarde demais, que por vezes nem valia a pena tentar.
De resto, cheguei agora a esta cidade. À procura, precisamente, de dias melhores e mais bem pagos, no que parece ser a minha eterna mentalidade depressivamente optimista. Não tenho dois escudos em meu nome e mesmo que os tivesse provavelmente gastá-los-ia a beber. Enfim, não é nada que não esteja a tentar fazer agora, no meio das ruas que desconheço por completo.
O desconhecido. Adoro-o e, ao mesmo tempo, temo-o. É dele que conheço as minhas vitórias, ainda que escassas. Mas que fazer quando se torna cada vez mais difícil suportar as inevitáveis derrotas, que vêm dessa mesma exploração?
Maldita chuva. Maldita noite. Devia de ter ficado na pensão mas o cheiro, a ratos ou coisas piores, afastou-me e os velhos hábitos duram para o que parece ser o sempre. Foi na pensão, contudo, que ouvi falar deste club. Aparentemente é bem frequentado e qualquer bar, ou seja lá o que for, a bem ou a mal, é sempre fonte de informações e contactos. E um homem como eu precisa e sobrevive por isso. Fica a vinte minutos da pensão, a pé claro. Fica no que parece ser o coração desta cidade que Deus esqueceu.
E claro que, terminado o relato, sobre o club do bêbado da pensão, pus-me a caminho da terra prometida. Bêbado? Agora que penso e que me rio por isso, já vi, ouvi e segui messias piores.
E agora já consigo ouvir a música. E agora já vejo as luzes.
Cheguei. “Bristol Club”.



Relatado por Sir Gainsworth
Bristol Club. 30 de Abril 1927

É fim do mês e a chuva voltou, interrompendo o ciclo de calor que já me fazia pensar em pôr as garotas com vestidos mais curtos. Assim tenho de gastar mais lenha para manter o club quente. Pode ser que atraia mais pessoas. Parece-me que as pessoas têm cada vez menos dinheiro.
A senhora Clara ontem veio cá com o marido e com as filhas ver o espetáculo. É escusado dizer que tive de ir avisar o menino Francisco para deixar as saias da Raquel, compor-se e sair pelas traseiras, para voltar a entrar. Lá voltou ele, e com ar de satisfação, foi descendo as escadas que dão acesso ao salão, fez ar de surpresa ao encontrar a família e ninguém notou que nem tinha os botões das calças abotoados.
Ontem foi um bom espetáculo. Veio uma banda do Porto tocar. Entreteram as pessoas de forma adorável e contagiantemente alegre, enquanto as nossas meninas dançavam com os vestidos coloridos que mandei fazer na dona Celeste. O salão encheu-se de dançarinos que fizeram a festa durar até às 4 da manhã. Nada mau, vi pessoas que nunca tinha visto por estas bandas, e pareciam felizes e animadas com toda a musica e cor.
Foi pena o Rui ter vindo tambem. Não veio falar comigo. Tambem porque estava cheia de trabalho, ele sempre compreendeu isso. Mas ficou a observar-me a noite toda. Ainda me dá arrepios só de pensar no olhar desesperado desejando todos os centimetros do meu corpo. Não lhe vou dar esse prazer.
A senhora da limpeza perguntou-me esta manhã porque é que eu tinha acabado com o Rui se "ele é tao jeitoso e boa pessoa". Sabe lá ela o que o Rui é. Decerto, ninguem o conhece melhor do que eu.

sábado, 25 de abril de 2009

Bristol Club. 24 de Abril 1927

Na noite de hoje, a senhora Clara apareceu outra vez à procura do menino Francisco. Mal sabia ela que o seu querido menino, que ela criou com tanta dedicação, estava no quarto das traseiras de novo enrolado com a menina Barbara. Disse-lhe que tinha passado por cá, bebido um whisky e saído para dar uma volta. O rapaz ainda desgraça o club se a mãe dele imagina o que ele anda a fazer. Tenho de falar com a Barbara. É certo que foi contratada para entreter os clientes, mas já é entretenimento a mais.
O Rui voltou de novo a perguntar por mim no balcão. Não o quero ver. Não depois do que aconteceu. O senhor Afonso inventou uma desculpa, leu a minha mente, nem lhe tinha pedido nada. Já deve ter sabido o que aconteceu pela senhora da limpeza. Cuscuvilheira, não devia ter vindo chorar para o club de manhã.